
Ana Silvia Alves Borgo
Revista 7 – Artigo 3
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um relato de experiência, no meu exercício do papel de coordenadora da SBDG, quando o curso era pós-graduação em Dinâmica dos Grupos, busco analisar a expressão da minha verdade bem como o modo como as ligações que ocorrem entre coordenador e grupo afetam a formação dos vínculos e o desenvolvimento do grupo. Wilfred Bion (apud PINTO, 2009, p. 14) me inspirou para o tema com a seguinte citação: “Amor sem verdade não passa de paixão, verdade sem amor não é mais do que crueldade”. Esta citação me instigou a pensar sobre a minha experiência na coordenação de grupos de pós-graduação a partir da perspectiva das ligações que eu estabelecia com cada integrante e com o grupo, e de lidar com a angústia que algumas me causavam.
Na seção Reflexões Sobre o Tema, utilizei no trabalho original apresentado para a titulação de Didata algumas situações dos grupos coordenados em que fui protagonista ou observadora (quando observei as coordenações experimentais). O critério par-a seleção dessas situações foi a descoberta de novos sentimentos, o significado afetivo para mim, bem como as reflexões, aprendizagens e desenvolvimento que possibilitaram para os envolvidos. Entretanto, para este artigo, na seção referida acima, algumas situações foram excluídas e outras resumidas para garantir a privacidade dos participantes e grupos.
A análise das Reflexões Sobre o Tema foi embasada em conceitos de Wilfred Bion, Sigmund Freud, Enrique Pichon-Rivière e David Zimerman. Esses autores têm em comum a Psicanálise – apesar de algumas divergências –, uma referência com a qual me identifico e fundamento para minha compreensão sobre o processo dos grupos com os quais já trabalhei. A Psicanálise e as demais construções que se orientam por seus princípios e fundamentos buscam evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias de um indivíduo ou grupo, através das transferências e contratransferências estabelecidas nas relações no grupo e do grupo com o coordenador. Seus fundamentos reconhecem a existência de um mundo interno, conhecido ou não, que influencia o mundo externo – as relações, a cultura, as atitudes – , não só na dimensão individual, mas também na dimensão grupal.
Pichon-Riviére (1998), em sua Teoria do Vínculo, indicou três vínculos – de Amor, de Ódio e de Conhecimento –, que são destacados também por Bion (apud ZIMERMAN, 2010). De outra parte, Zimerman (1999) propõe considerar mais uma forma de vínculo: o de Reconhecimento. Tais definições serviram de eixo teórico para que eu pudesse explorar mais profundamente as minhas reflexões.
No primeiro grupo de pós-graduação que coordenei, titulada como Especialista, a coordenação era um espaço a ser construído. E era também a oportunidade de ocupar um lugar idealizado por mim. Eu não reconhecia que tivesse bagagem de qualidade, cujo compartilhamento pudesse ser valorizado pelo grupo. Também não me liguei no fato de que este lugar me ofereceria oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento – afinal estava na Curva de Maturidade.
Qual seria o vínculo que eu estabeleceria com o grupo para dar sustentabilidade a uma relação que realmente promovesse o desenvolvimento? Qual a proximidade “saudável”? Ao longo do tempo e das experiências, essas reflexões trouxeram maior clareza sobre o meu papel, dos limites necessários à ética.
A ética faz parte da relação, bem como do cuidado para promover oportunidades de desenvolvimento sem invadir, sem impor, garantindo o que é de cada um – espaço, pensamentos, valores, sentimento, etc. – o que é meu e o que é do grupo. Tais reflexões passaram a me acompanhar sempre e sempre.
Como é conhecido, a pós-graduação da SBDG tem peculiaridades que a diferenciam de outras instituições, o que se torna um diferencial positivo. Entretanto, para mim, enquanto profissional vinculada à SBDG, tornou-se desafiador lidar com essas peculiaridades/diferenças. Por exemplo, em outras instituições o compromisso do profissional é ministrar aulas da disciplina com carga horária menor – portanto, o contato com os alunos é mais restrito –, aplicar e corrigir avaliações. Encerrada a disciplina, encerra-se também o vínculo com o grupo. Com os grupos da SBDG era diferente. Sentia-me invadida. As demandas iam além das questões do conteúdo programático, eram emocionais, afetivas e psicológicas. Sentia que não conseguiria ser continente às necessidades do grupo. Essas relações de recíprocas influências estabelecidas com o grupo mobilizavam em mim sentimentos e emoções que eu resistia em conhecer. A minha resistência também me demandava muita energia e eu reagia defensivamente, distanciando-me do grupo.
Só é possível expressar o que realmente sentimos. Apesar de sentir amor, o medo de expressá-lo e de perder a razão, o controle, de sair do papel e ser manipulada pelo outro – apesar do espaço já ser meu – muitas vezes me impediu de expressá-lo e ocupar este espaço de fato. Precisava seguir na minha construção, amadurecer.
O espaço do coordenador de grupos é um lugar que implica na responsabilidade com pessoas, que concede autoridade e poder. E exige, do ponto de vista ético, que sua liberdade observe o limite que garante a integridade de todos, que, em um papel ou em outro, ali estão, nos variados sentidos – físico, emocional, psicológico.
As reflexões sobre as minhas crenças e os diálogos com as parceiras de coordenação possibilitaram-me aprendizagens e transformações que refletiram na minha prática como coordenadora, nas relações que estabeleço e no desenvolvimento dos grupos de maneira bastante positiva e gratificante.
Desejo que este trabalho contribua para a reflexão sobre a prática de outros coordenadores de grupo que, como eu, buscam sempre o melhor, o aprimoramento, baseados em valores firmes de honestidade e transparência na expressão da verdade com amor.
2 Desenvolvimento
2.1 Sobre os vínculos
“O alimento essencial não vem das coisas, mas do nó que ata as coisas.”
(Antoine de Saint-Exupéry)
O exercício do papel de coordenador ocorre através de interações de influências recíprocas com o grupo, que impactarão no desenvolvimento de ambos. Essas interações são denominadas de vínculo. E para desenvolver sobre este tema busquei apoio em alguns autores: Pichon-Rivière (1998, p. 3) diz que “[…] a maneira pela qual cada indivíduo se relaciona com outro ou outros, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada momento, que chamamos vínculo”.
Bion (apud ZIMERMAN, 2010, p. 23) define “vínculos são elos de ligação – emocional e relacional – que unem duas ou mais pessoas, ou duas ou mais partes de uma mesma pessoa”.
Bion diz, ainda, que há três aspectos contidos nesta concepção:
O primeiro aspecto é “relacional”, indica que sempre existem relações de recíprocas influências entre as pessoas, as quais tanto habitam o mundo exterior quanto o mundo interior do sujeito. A segunda observação na conceituação de Bion reside na palavra “emocional”, que enfatiza o fato de que, caso não haja algum tipo de emoção nos elos de ligação entre duas ou mais pessoas, dentro ou fora do sujeito, deixa de ter o significado que ele faz questão de sublinhar. O terceiro aspecto consiste no fato de que, habitualmente, o termo “vínculo” designa as relações humanas exteriores. (BION apud ZIMERMAN, 2010, p. 24).
O primeiro vínculo estabelecido por um ser humano é do bebê recém-nascido com sua mãe ou com alguém que a substituiu. Este vínculo é o que primeiro influenciará a forma como a pessoa estabelecerá os vínculos em sua vida.
Quando se forma um grupo, os vínculos remotos de cada participante influenciarão de maneira importante a relação com os demais, bem como as emoções e os sentimentos presentes nessas relações. Essas emoções e sentimentos definirão a qualidade dos vínculos e o significado que cada um terá para o outro. No grupo, o vínculo tem um aspecto de constante interação recíproca e oportuniza a cada participante rever sua “bagagem” e ressignificar os seus vínculos interiores e exteriores.
Bion (apud ZIMERMAN, 2010) nos diz, também, sobre três vínculos: do Amor, do Ódio e do Conhecimento.
O vínculo do amor se dá através de transferências positivas (amorosas) e está ligado à vida, que traz o sentido de crescimento e desenvolvimento, as transferências amorosas.
Transferência é um conceito fundamental na teoria Psicanalítica de Sigmund Freud e foi definida por este autor (apud LAPLANCHE; PONTALIS, 1986) como o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de certo tipo de relação estabelecida com eles. Bion (1970) utilizou-se desse conceito para entender a relação que se estabelece no grupo, entre seus membros e entre o coordenador e o grupo.
O vínculo do amor é expresso pelo coordenador de várias maneiras, quando é continente aos ataques amorosos ou hostis por parte do grupo, quando é empático, reconhecendo o outro, estando disponível por inteiro para ouvi-lo, ou seja, para estabelecer uma sintonia de sentimentos e pensamentos.
Outro vínculo denominado por Bion (apud ZIMERMAN, 2010, p. 188) é o do conhecimento, que se refere ao quanto o grupo deseja tomar conhecimento de suas verdades, tanto as conscientes quanto, principalmente, as inconscientes.
O conhecimento está intimamente ligado com a Verdade e com a Realidade e, como esta última está impregnada de opostos, contradições, além de uma percepção possivelmente distorcida da realidade, acontece que a verdade nunca é totalmente real; pelo contrário, ela é sempre relativa. (ZIMERMAN, 2010, p. 173).
O vínculo do amor estabelecido entre o coordenador e o grupo facilitará a construção do vínculo do conhecimento. A verdade é tudo o que facilita o ressignificar, a transformação, a possibilidade de conhecer mais a seu próprio respeito e crescer. É de competência do coordenador ajudar o grupo a revelar as suas verdades, mesmo as mais doloridas, e ainda assim preservar o vínculo de amor.
Bion (apud ZIMERMAN, 2010, p. 89) nos apresenta o terceiro vínculo, que é o vínculo do ódio. E Zimerman (2010, p. 89) nos diz que “o vocábulo ‘ódio’ se origina do latim odium (ALENCAR, 1944), com o significado de ‘ira, raiva, estado colérico’”.
Os significados da palavra ódio nos remetem a pulsões agressivas, que são derivados diretos da “pulsão de morte” conceituada por Freud. Zimerman apresenta o seguinte sobre este tema:
Entendo que o mais importante é iniciarmos fazendo uma distinção entre o que significam os termos agressão e agressividade, visto que, no mínimo eles encerram duas significações: uma é alusiva a uma agressão destrutiva, enquanto a outra merece ser chamada de agressividade construtiva. Palavras muito parecidas, porém de significados bastante diferentes […]. Entretanto, outros autores consideram que a agressividade se apresenta no psiquismo como uma força que exerce uma pressão irredutível e persistente que, embora de caráter construtivo, pode acontecer que a tensão psíquica pode atingir limites tão insuportáveis que o homem busca seu alívio descarregando compulsivamente esta tensão de agressividade em forma de agressões contra outros. (ZIMERMAN, 2010, p. 91).
Bion (apud ZIMERMAN, 2010, p. 188) emprega esta poética imagem: “[…] a verdade e o amor são indissociáveis, um sem o outro fica desvirtuado, de modo que amor sem verdade não passa de paixão; verdade sem amor não é mais do que crueldade”.
A crueldade será aquilo que limita ou impede a transformação, sem oportunizar a ressignificação. É a resistência não reconhecida, que se coloca em um ponto cego com a “ajuda” do coordenador.
Zimerman (1999) entendeu ser de grande utilidade acrescentar, além dos três vínculos – do Amor, do Ódio e o do Conhecimento – estudados e postulados por Bion, mais uma modalidade, o Vínculo do Reconhecimento, que aborda quatro conceitos: 1) A de reconhecimento de si próprio, de conhecer aquilo que já existe dentro de si, que existe de fato, é valorizado como alguém que é autônomo, é aceito e digno de ser amado pelos demais. 2) Reconhecimento do outro como alguém diferente dele, que não é seu espelho, que é autônomo, tem ideias, valores e condutas diferentes. 3) Ser reconhecido ao outro, como expressão de consideração e gratidão, assumindo a sua dependência e fragilidade, saindo de uma posição onipotente, onisciente e prepotente. 4) Ser reconhecido pelos outros, que contribui para a manutenção da autoestima; e para que o vínculo seja positivo é imprescindível que haja um mútuo reconhecimento.
Os quatro conceitos abordados por Zimerman (1999, p. 167) apresentam o reconhecimento como uma necessidade humana e que “é relevante destacar que até mesmo qualquer pensamento, conhecimento ou sentimento requer ser reconhecido pelos outros […] para adquirir uma existência, ou seja, passar do plano intrapessoal, para o plano interpessoal, e vice-versa”.
No contexto do grupo, Bion (apud ZIMERMAN, 1999, p. 167) postula que “o homem é um “animal político” porque não pode realizar-se plenamente fora de um grupo, nem, tampouco, satisfazer qualquer impulso emocional sem que o componente social deste impulso se expresse”. Diz, ainda, que os vínculos estabelecidos no grupo proporcionam uma troca emocional entre seus membros, bem como o reconhecimento da sua individualidade, da individualidade dos outros e da coletividade. Portanto, o vínculo do reconhecimento é essencial para o desenvolvimento psicoemocional do ser humano, bem como para o significado que cada um terá para o outro.
O sentimento que está presente no vínculo do reconhecimento é o amor. Quando o coordenador expressa o seu reconhecimento ao grupo estará expressando o seu amor, facilitando as transformações e o desenvolvimento do mesmo.
Portanto, os vínculos de amor, de conhecimento e de reconhecimento estabelecidos entre o coordenador e o grupo contribuirão para o desenvolvimento e crescimento de ambos.
Para finalizar, Zimerman (2010, p. 15-16), nos alerta que “[…] na atualidade não mais cabe estudar separadamente cada um dos vínculos, visto que ninguém mais duvida que todos eles, de alguma forma, estão imbricados entre si, influenciando e complementando-se reciprocamente”.
2.2 Sobre a ética na coordenação de grupos
“A ética não é algo que nos dê conforto, mas algo que nos coloca dilemas.”
(Mario Sergio Cortella)
Considerando que a verdade, o amor e a crueldade podem estar presentes na relação entre coordenador e grupo, uma abordagem ética desta prática coloca em pauta a responsabilidade do coordenador, bem como os impactos nos aspectos físicos, emocionais, afetivos e psicológicos nas pessoas do grupo.
Para abordar esse conceito, um dos autores que escolhi foi Cortella (2007, p. 106), que diz: “Ética é um conjunto de princípios e valores que você usa para responder as três grandes perguntas da vida: ‘Quero? Devo? Posso?’”
A responsabilidade ética do coordenador o levará a refletir sobre as questões apresentadas acima, pois sendo um papel que lhe concede autoridade e poder, sua liberdade de ação é limitada, ou seja, deve respeitar as pessoas e não invadi-las.
Para Bittar (2012, p. 403), “o que define o estatuto ético de uma determinada profissão é a responsabilidade que dela decorre, pois, quanto maior a sua importância, maior a responsabilidade que dela provém em face dos outros”.
Diante da liberdade e da responsabilidade, Cortella (2007, p. 111) afirma que “se você tem autonomia e liberdade, vive dilemas éticos. Não tem como não vivê-los. E você a eles vai sobreviver melhor quanto mais tiver claro quais são seus princípios e valores.”
Para que o grupo cresça, ele necessita tomar consciência de suas verdades. Esse deve ser um compromisso do coordenador sem deixar de reconhecer a liberdade do grupo sobre o que fazer com tais verdades. A escolha poderá ser de não tomar consciência e, neste caso, o coordenador estará diante de um dilema ético. Neste momento, as três perguntas sugeridas por Cortella o ajudarão a avaliar as possibilidades sem se omitir.
2.3 Reflexões sobre o tema
Situações de coordenação nas quais fui protagonista ou observadora (observando as coordenações experimentais), que possibilitaram a descoberta de novos sentimentos, reflexões, aprendizagens e desenvolvimento aos envolvidos, não foram raras. Algumas tiveram maior força de impacto em mim, na minha experiência e na minha aprendizagem sobre a construção de vínculos de amor, ódio, conhecimento e reconhecimento. A seguir, duas situações para ilustrar algumas das minhas reflexões e aprendizados.
Era o primeiro encontro de um grupo, uma das participantes que, sem se dar conta, ocupava o papel de porta-voz da ansiedade do grupo, alterou o volume da voz e passou a falar de preconceitos, de autoridades autoritárias e se mostrava claramente movida por um sentimento de raiva. Sua fala e o sentimento expresso eram desproporcionais à situação naquele momento e a sua reação parecia excessiva. Isso me levou a supor que tenha sido mobilizada alguma outra experiência emocional sua, vivida em algum outro momento, que comportava toda aquela intensidade que se manifestava no grupo. E compartilhou questões íntimas suas e o preconceito que havia sofrido. Senti empatia pelo seu relato, imaginando a sua dor e percebendo seu medo de não ser aceita. O grupo e coordenadoras acolheram a verdade dela e tinha início ali o vínculo de amor, de conhecimento e de reconhecimento. Posteriormente, essa participante precisou sair do grupo, por transferência de emprego. Entretanto, a maneira como ela comunicou a sua saída e se despediu de nós, coordenadoras, e do grupo foi com amor e cuidado, dizendo-nos que sentia muito por sair e que, se fosse possível, participaria virtualmente dos encontros, qualificando as pessoas, seu investimento e os aprendizados oportunizados no grupo.
Outro momento que produziu algumas questões para refletir e que destaco aqui aconteceu no segundo encontro do Módulo 3, durante o Jornal Falado e em algumas cocoordenações os temas autonomia e autoridade estavam presentes. Minha hipótese era que o grupo falava da sua dificuldade de ocupar o lugar de coordenador e de compartilhar este lugar também – do exercício e das relações de autoridade. Durante uma cocoordenação experimental, a coordenadora iniciou com dez minutos de atraso, esperando as pessoas retornarem do intervalo. Após a coordenação, no momento do feedback, disse-lhe da sua ausência no papel de coordenadora em iniciar no horário e dar limite ao grupo. Cabe lembrar que essa mesma participante no Módulo 1, durante um estímulo que tinha como objetivo trabalhar valores e padrões, compartilhou no grupo que um padrão seu era “Não desagradar”. Percebi que, no término do dia, essa participante não se despediu de mim, o que geralmente fazia. No dia seguinte, no fechamento, ela falou da raiva que ficou de mim quando lhe dei o feedback na coordenação experimental, quando não exerceu sua autoridade e não iniciou a atividade. Chorando ela me agradeceu pelo feedback e disse que tinha sido muito importante. Após a fala dela, eu disse que havia percebido que ela tinha ficado com raiva. Então, falei do lugar de coordenação que irá mobilizar no outro o amor e o ódio, da importância de ser continente, acolhendo e entendendo. No último encontro da pós, a mesma participante, emocionada, me agradeceu novamente pelo feedback que lhe dei. Percebo que a minha continência ao seu sentimento de raiva possibilitou a abertura entre nós, um vínculo de amor e de conhecimento. Nesse mesmo encontro, além dessa situação, outros participantes falaram e expressaram sentimentos negativos, que até então não tinham sido compartilhados.
3 Considerações Finais
O amor é o sentimento de unidade com o outro, mas necessita do reconhecimento de quem sou e de quem é o outro. Quando sou empática, buscando entender a dor do outro, sem me “misturar”, despindo-me de preconceitos, favoreço a aproximação, o acolhimento e a construção do vínculo de amor. Apesar de sua construção ser favorecida pelas transferências positivas, a sua manutenção demanda atenção e investimento afetivo.
Numa “inter-ação” existe a tendência de reciprocidade, ou seja, quando o coordenador investe no grupo, este também investirá no coordenador e nas suas relações para promover o seu desenvolvimento.
Percebo que a facilidade para ser crítica nas observações que compartilho com o grupo exige que eu esteja atenta para fazer, também, o reconhecimento ao grupo quando ele faz algo que promove o seu desenvolvimento.
Reflito, mais uma vez, a partir da citação de Bion (apud ZIMERMAN, 2010, p. 188), “[…] a verdade e o amor são indissociáveis, um sem o outro fica desvirtuado, de modo que amor sem verdade não passa de paixão; verdade sem amor não é mais do que crueldade”. E entendo que há verdades que, quando expressas, incomodam, mas o fato de incomodar não significa que a sua expressão foi cruel. Acredito que a crueldade ocorre quando restrinjo a minha liberdade de expressão a partir do lugar que ocupo como coordenadora, a fim de poder obter a satisfação do que necessito – atenção, aprovação, poder, controle, afeto, etc. – mesmo sem ter consciência.
O meu compromisso ético, na coordenação, faz com que eu me questione: O que quero, o que devo e o que posso fazer com o grupo? Nos diversos momentos, antes, durante e após os encontros presenciais ou virtuais. Entendo que mesmo essas interações que ocorrem quando não se está em grupo influenciam o processo e o desenvolvimento. Esse compromisso demanda energia e atenção para estar próxima, ser acolhedora, sem perder de vista o meu papel e o papel das pessoas no grupo.
Do meu ponto de vista, a ética tende a ser abordada a partir de uma perspectiva dos conceitos que fundamentam juízos, tais como: certo x errado, bem x mal, bom x ruim, adequado x inadequado, etc. Assim aconteceu quando elaborei minhas primeiras ideias para este trabalho. Porém, a partir das reflexões que fiz, leituras e orientações recebidas, deparei-me com uma complexidade maior, que vai além dos preceitos, dos mitos, das crenças e das teorias, para o reconhecimento das diferenças entre um e outro, das singularidades de experiências, dos sentimentos e desejos do outro. O que exige, especialmente, que o coordenador esteja preparado para lidar, no exercício de seu papel, não só com essa complexidade, mas com a sua complexidade, reconhecendo e diferenciando. E reconhecendo, também, quando, por qualquer motivo, estiver limitado para isso.
Referências
BION, W. R. Experiências com grupos. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago; São Paulo: EDUSP, 1975.
BITTAR, E. C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CORTELLA, M. S. Qual é a tua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
PICHON-RIVIÈRE, H. Teoria do vínculo. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ______.
O processo grupal. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
PINTO, G. C. Wilfred R. Bion. Memória da psicanálise. São Paulo, n. 6, p. 14, 2009.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 1999. ______.
Os quatro vínculos: amor, ódio, conhecimento, reconhecimento na psicanálise e em nossas vidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.