
Natália Gomes da Silva
Adriano Cavalleri
Natália Salles Ribeiro
Revista 9 – Artigo 2
1 INTRODUÇÃO
A Educação Superior no Brasil vivenciou forte expansão no início do século XXI, marcada pelo crescimento do número de instituições, cursos, vagas, ingressantes e matrículas. Entre 2004 e 2013, a proporção de pessoas de 25 a 34 anos com Ensino Superior praticamente dobrou, passando de 8,1% para 15,2% (IBGE, 2010). Este universo, em 2016, era constituído por 6,3 milhões alunos em cursos de graduação e 173 mil em pós-graduação, distribuídos em 2.407 instituições de ensino, das quais 87,7% eram privadas (MEC, 2017).
O perfil do estudante também se alterou neste período, principalmente por meio de políticas públicas de acesso e permanência nas instituições. Estas ações tiveram papel central na inclusão dos grupos historicamente marginalizados, como negros, quilombolas, indígenas, além de indivíduos de baixa renda. Os dados do Questionário Socioeconômico do ENADE (2012) revelam ainda que 56% dos estudantes de Ensino Superior trabalham e estudam, e que, portanto, para a maior parte do contingente de matriculados, dedicar-se exclusivamente aos estudos não é uma opção. Alguns destes estudantes estiveram afastados do ensino há anos, às vezes décadas, e as salas de aula de hoje compreendem uma enorme diversidade em termos de idade, conhecimentos, valores e costumes.
Essa mudança no perfil dos estudantes representou um passo importante na busca de maior igualdade e acesso ao Ensino Superior. Ao mesmo tempo, essa mudança também se constitui em um desafio para o sistema atual das instituições de Ensino Superior. Garantir o ingresso dos estudantes não é suficiente para que eles completem seus estudos, sendo necessário ter meios eficientes para evitar a evasão do Ensino Superior. A evasão desses estudantes é consequência da interação de vários fatores, e a dificuldade para conciliar estudos e sustento financeiro é normalmente apontada como o principal deles (FIGUEIREDO; SALLES, 2017).
Além dessas questões de conciliação entre estudos e trabalho, as relações interpessoais entre professores e alunos em sala de aula também têm impacto na aprendizagem e na evasão. Por exemplo, Morbeck (2016) analisando a evasão em uma universidade federal, verificou que os estudantes evadidos apresentaram maior distanciamento afetivo dos professores que aqueles alunos em curso. Infelizmente, o impacto das relações interpessoais no ambiente escolar costuma ser ignorado ou simplesmente desconhecido por gestores, coordenadores, professores e os próprios estudantes.
Nesse cenário de turmas de estudantes heterogêneas, é necessário cada vez mais considerar as relações entre professores e alunos nos processos de ensino-aprendizagem e nas práticas pedagógicas. Para isso, é preciso incorporar estratégias de aprendizagem mais flexíveis e abrangentes, trabalhando com a noção de processos dinâmicos, principalmente no nível grupal.
Isso implica que além da sua capacidade de liderança, do domínio técnico dos conteúdos e da própria natureza do trabalho pedagógico, o professor também tenha que compreender os processos grupais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Assim, é importante que os professores estejam conscientes dos processos de formação de normas, comunicação, cooperação e competição, divisão de tarefas e distribuição de poder e liderança em sala de aula.
Os caminhos delineados pelas turmas na construção de sua história grupal influenciam no cotidiano da relação pedagógica em sala de aula. Desse modo, o grupo funciona como um campo de referências cognitivas e afetivas, onde os indivíduos se integram e se reconhecem, podendo bloquear ou estimular processos criativos e críticos em sala de aula (AFONSO; VIEIRA-DA-SILVA; ABADE, 2009). A turma pode atingir graus e tipos de organização grupais muito diferentes: agrupamentos efêmeros, consolidação de formas de inter-relação rígidas, com papéis demarcados, ou uma estruturação vincular mais dinâmica e cooperativa (CORD, 2008).
Considerando a expansão do Ensino Superior no país mencionada anteriormente, o número de professores também cresceu consideravelmente nas últimas décadas. Entretanto, os cursos de formação de tais professores geralmente não abordam aspectos sobre o funcionamento dos grupos. Um melhor entendimento sobre a dinâmica de grupos em sala de aula pode tornar o processo de ensino-aprendizagem mais eficiente, humanizado e de maior impacto social. Infelizmente, em muitas situações, o professor não está consciente de sua própria prática, atuando como um mero executor de tarefas e desconsiderando os movimentos do grupo e o impacto das suas práticas e comportamentos no processo educativo.
O professor desavisado ou despreparado no domínio das relações interpessoais ou o professor inseguro, tímido, que não superou seus limites emocionais e afetivos, ou o professor equivocado, pensando que com atitudes autoritárias em relação à classe (ao grupo) irá conseguir disciplina ou resultados no controle da classe ou no produto da aprendizagem dos alunos, terá grandes dificuldades de ensinar, de lidar com a classe, isto é, com o grupo que será tanto mais coeso, quanto mais ameaçado pelo professor (CHAVES, 2004, p.1)
Partindo destes apontamentos, este trabalho tem como questão norteadora: os docentes de educação de adultos (Ensino Superior e Pós-graduação) consideram as relações grupais no contexto de aprendizagem? Este trabalho visa conhecer a percepção dos professores de Ensino Superior e Pós-graduação em relação a processos grupais e ao seu papel no grupo no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. Adicionalmente, propõe-se a investigar se os docentes estão conscientes do papel das relações interpessoais (professor x aluno e aluno x aluno) no processo de ensino-aprendizagem, e se eles sentem-se capacitados para lidar com os processos grupais em sala de aula.
Inicia-se por uma breve revisão de conceitos relacionados ao questionamento central, alicerçado especialmente em Pichon-Riviére (1994; 2005). Na sequência, relatam-se os procedimentos metodológicos. Na terceira parte, apresentam-se e analisam-se os dados coletados, para então trazer as considerações finais.
2 ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA VERSUS ABORDAGEM HUMANISTA
Em um sentido mais amplo, podemos encarar o aprendizado por meio de duas teorias contrastantes: o comportamentalismo (ou behaviorismo) e o humanismo (MILHOLLAN; FORISHA, 1995). A influência destas duas visões no ensino contemporâneo é inegável, e apresentam impacto significativo no campo cognitivo e afetivo do aluno.
Segundo a teoria comportamentalista, o ambiente pode controlar o homem, mas esse ambiente foi inteiramente construído por ele. Essa abordagem teve como principal protagonista o norte-americano B.F. Skinner, que enfatizava os estímulos externos como sendo fundamentais à aprendizagem. Em outras palavras, a aprendizagem para Skinner concentra-se na capacidade de estimular ou reprimir comportamentos, desejáveis ou indesejáveis, como uma instrução programada aonde o aluno é visto como passivo neste processo (MOREIRA, 1995).
A Teoria Behaviorista de Skinner teve uma grande aplicabilidade na educação, sendo consubstanciada pela “tendência tecnicista” traduzida pelos métodos de ensino programado, o controle e organização das situações de aprendizagem e da tecnologia de ensino. No Brasil, principalmente na década de 1970, a tendência tecnicista influenciou as abordagens do processo de ensino/ aprendizagem, a partir da inserção do conceito de uma aprendizagem por condicionamento, sendo ratificada pelos novos modelos de currículo, pelas políticas educacionais que valorizavam a formação técnica do educador e a inserção de recursos didáticos que estimulassem a aprendizagem nas escolas. (SANTOS, 2006, p. 1).
A visão humanista enfatiza que a aprendizagem deve se dar de forma integral, considerando tanto o cognitivo, quanto o motor e o afetivo. Esta abordagem eleva o aluno como um sujeito ativo e líder do seu próprio processo de aprendizagem. Uma das características desse modelo é a não-diretividade do processo de aprendizagem, em que o professor não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno. O psicólogo norte-americano Carl Rogers foi um dos principais representantes da corrente humanista na educação. Rogers propõe a sensibilização, a afetividade e a motivação como fatores atuantes na construção do conhecimento.
Nesta perspectiva, a função do professor consistiria no desenvolvimento de uma relação pessoal com seus alunos e o estabelecimento de um clima nas aulas que possibilitasse a realização natural dessas tendências; portanto o professor é um facilitador da aprendizagem significativa, fazendo parte do grupo e não estando colocado acima dele; este também é um dos pressupostos básicos da teoria de Rogers, ou seja, o aspecto interacional da situação de aprendizagem, visando às relações interpessoais e intergrupais (FUNDEPAR, 2017, s/p).
Nessa perspectiva, a educação autêntica não se faz do professor para o aluno ou do professor sobre o aluno, mas do professor com o aluno. No cenário de uma educação mais humanizada, destaca-se as contribuições do brasileiro Paulo Freire, como por exemplo a Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996). Um dos princípios gerais desta Pedagogia é o de que ensinar não é transferir conhecimento (ao contrário da visão comportamentalista), mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção.
3 PROCESSOS GRUPAIS NA PERSPECTIVA DE PICHONRIVIÉRE
Para conduzir a análise deste trabalho, foram utilizados como aporte teórico os conceitos de Enrique Pichón-Rivière, considerado mestre pela Psiquiatria Psicanalítica argentina. Os fundamentos dos trabalhos desse autor estão presentes em técnicas de famílias, grupais, comunitárias, aprendizagem, entre outras. Dentre suas teorias estudadas, focou-se em especial, na de ECRO (Esquema Conceitual-Referencial-Operativo) – Cone invertido e Teoria do Vínculo; levantando a possibilidade de que com uma consciência do movimento do grupo, observação das atividades e algumas intervenções do líder/professor, se pode interferir de forma efetiva no ensino de adultos, em grupos de aprendizagem, na formação superior.
Para Pichón-Rivière (2005) um grupo é definido pelo conjunto de pessoas reunidas pela proposta de uma tarefa/objetivo, que é a finalidade para sua união. O fator principal de se definir um objetivo comum é perceber que os membros do grupo devem realizar um trabalho ou tarefa comum para alcançarem estes objetivos. Essa ideia é importante, pois “a tarefa é um organizador dos processos de pensamento, de comunicação e de ação que ocorrem na situação de grupo” (FERNANDES et al., 2003, p. 197).
O processo grupal é marcado pelas relações entre sujeitos, e admite-se que há dois níveis que operam no grupo: o da intencionalidade consciente e o da interferência dos fatores inconscientes. A primeira é o objetivo direto do grupo, ou seja, o trabalho a ser produzido. Observando-se como opera um grupo ao resolver uma determinada tarefa de aprendizagem, é possível compreender que se trata de um grupo operativo centrado na tarefa de dominar o problema e dar a ele uma solução. O referencial de grupos operativos busca informar sobre o segundo, pois ele focaliza os elementos que mobilizam as estruturas internas dos sujeitos, fazendo com que eles superem suas dificuldades de aprendizagem e comunicação. Isso implica dizer que, ao operar em grupo, o sujeito revela aquilo que está implícito por meio de comportamentos repetitivos que interpretamos como “sintomas” de algo que não está caminhando bem (PICHON- -RIVIÈRE, 2005)
Com base na observação de determinados comportamentos grupais, Pichón-Rivière propôs o cone invertido dos vetores do grupo, que avalia a dinâmica relacional do grupo. A figura 1 apresenta o cone:

O primeiro grau de identificação do grupo com a tarefa é a afiliação, quando o integrante se aproxima, mas ainda com um distanciamento. Quando a intensidade nessa identificação é maior, denomina-se pertença, onde se permite a elaboração da tarefa. A partir daí propicia-se o vetor da cooperação – capacidade do grupo ajudar-se entre si e ao terapeuta. A pertinência é o vetor que indica estar coerente com o foco do grupo, centrando-se na tarefa. A comunicação é fundamental para o processo de integração do grupo, envolve um emissor, um receptor e uma mensagem, cabe ao coordenador grupal detectar ruídos nesta comunicação para que os mal-entendidos possam ser resolvidos. O vetor de aprendizagem soma as informações e contribuições que cada membro leva para a tarefa, gerando melhora e amadurecimento no grupo. Tem-se ainda a tele, que é o clima em que se desenvolve o grupo, aproximação/afastamento entre participantes, resultado de uma transferência positiva ou negativa para trabalhar a tarefa grupal. Já a aprendizagem, para Pichón-Rivière, está estreitamente relacionada com o vínculo, pois, para aprender precisamos de algum tipo de interação, ou relação com um objeto, seja ele animado ou inanimado. Desde a relação do bebê com a mãe, baseada no alimento, inicia-se a vida do indivíduo baseada nos vínculos criados nas inter-relações entre necessidade e satisfação. Conforme Pichón-Rivière (2005, p. 47):
O vínculo é um conceito instrumental da Psicologia Social que toma uma determinada estrutura e que é ajustável operacionalmente. O vínculo é sempre um vínculo social, ainda que seja com uma pessoa; através da relação com essa pessoa se repete uma história de vínculos determinados em um tempo e espaço determinados. Por ele o vínculo se relaciona posteriormente com na noção de rol, de status e de comunicação (PICHÓN-RIVIÉRE, 2005, p. 47).
A teoria do vínculo aplicada ao contexto do ensino propõe a quebra da polaridade professor- -aluno. Ela introduz outro elemento que deve ser considerado. O sujeito e o outro, com quem está interagindo, se dão conta de que há um mundo inteiro em cada um, em interação contínua, que atinge também o nível inconsciente, produzindo imagens ilusórias e ansiedades que necessitam de elaboração. As dúvidas são compartilhadas e uma representação comum é construída criando condições para a solução surgir. Se, por exemplo, conheço alguém que me faz lembrar de outra pessoa ou situação que não me agrada, essa lembrança pode ser perturbadora o suficiente para gerar ansiedades com relação a quem se está encontrando agora. Mas, se me dou conta de que essa situação/ pessoa de agora não é a mesma de antes, não tenho por que ter ansiedade. Se compartilho esses meus sentimentos com o outro e ele, por sua vez, compartilha comigo as suas ansiedades, criamos uma representação comum que estimula o vínculo.
Na aprendizagem centrada no estudante, os conceitos de papel e vínculo se entrecruzam e por isso é importante abordar tanto a estrutura do vínculo como os diversos papéis, os quais professor e aprendizes se atribuem. O papel é decisivo na situação do vínculo, é transitório e possui uma função determinada, que pode aparecer de forma específica e particular em uma determinada situação e em cada pessoa.
Um grupo orientado pela tarefa tem em sua sequência de desenvolvimento para a tarefa, três fases descritas por Pichón-Riviére como a pré-tarefa, a tarefa em si, e o projeto. Na pré-tarefa o grupo apresenta muita resistência a mudança através de técnicas defensivas, ansiedade de perda e ataque. Nesta fase o grupo precisa ser trabalhado, se necessário com a ajuda de um instrutor/líder, para seguir para a tarefa e o projeto. Traçando uma relação com o tema do ensino-aprendizagem, o professor não deveria esperar uma tarefa simples objetiva ao solicitar uma atividade ao grupo de alunos, pois isso seria considerar que ele, enquanto na escola, separa-se da vida pessoal e fatores subjetivos individuais, o que não acontece (SILVA, 2008). Na fase da tarefa, as ansiedades são trazidas a consciência por abordagem e elaboração, volta-se para a realidade visando à transformação (do sujeito para o sujeito). O projeto é onde essas transformações e noções abordadas se estabelecem, e o grupo atinge a pertença entre ele, capaz de fazer objetivos novos além do proposto inicialmente.
Quando um indivíduo traz sua história pessoal e evolução, dizemos ter uma verticalidade deste membro no grupo, entretanto, quando mais se fortificam os vínculos, compartilham-se necessidades comuns e criam sua história, temos uma horizontalidade e a identidade do grupo.
Para Pichón-Rivière, quando um grupo está centrado na realização de uma tarefa, seus membros desempenham uma série de papéis complementares, que contribuem para o êxito ou fracasso da tarefa. Assim, há aqueles papéis que favorecem a aprendizagem grupal e aqueles que funcionam como obstáculos e causas de resistências às mudanças. A dinâmica grupal depende da circulação ou rigidez de papéis desempenhados e de seus significados no âmbito do grupo.
Para o autor, existem quatro papéis principais: porta-voz, líder, bode expiatório e sabotador. O porta-voz que surge diante de uma necessidade de anunciar ou denunciar um acontecer grupal, ele emerge algo que está latente no grupo, fala em nome do grupo para expressar ansiedade que estejam perturbando. Ao fazer isso, ou os demais membros encaram as dificuldades e passam a resolvê-las, ou o grupo entende que esta dificuldade é somente daquele sujeito. No primeiro caso, o porta-voz vai se tornar o líder da tarefa, e o grupo inicia um momento de cooperação. No entanto, se o porta-voz não é ouvido, ele passa a ser o bode expiatório do grupo. O papel do sabotador surge quando o nível de ansiedade é tal que fugir da tarefa lhe parece mais agradável do que ter de realizá-la. O sabotador torna-se o líder da resistência à mudança, e tanto ele quando o líder operativo tem seguidores partidários. Ao observar os movimentos do grupo entre um subgrupo e outro, mede-se sua coesão. O bode expiatório é aquele que se torna o depositário das coisas negativas do grupo.
Nesta seção, apresentaram-se os principais conceitos que nortearam a elaboração do instrumento de pesquisa, destacando-se os vetores do ECRO e da teoria do vínculo, bem como as abordagens comportamentalista e humanista da aprendizagem.
4 MÉTODO
Este estudo tem abordagem predominantemente quantitativa, de natureza exploratória e descritiva. Exploratória porque procura captar livres impressões de docentes sobre como os conhecimentos e experiências com grupos podem impactar em sala de aula, no processo de ensino- -aprendizagem; descritivo porque também procura apresentar percepções a partir de entendimentos prévios compartilhados na literatura sobre o tema.
O público-alvo estabelecido foram docentes que estavam na ativa (isto é, em sala de aula) e lecionavam para adultos (Ensino Superior e Pós-graduação) presencialmente. Para avaliar a percepção deste grupo sobre os fundamentos da teoria de grupos, empregou-se o método de survey. O principal instrumento de coleta de dados foi um questionário estruturado da seguinte forma:
- a) na primeira parte, coletaram-se dados demográficos e relativos à experiência e formação dos respondentes;
- b) na segunda parte, o objetivo foi identificar o emprego ou não de atividades em grupo em sala de aula, como os grupos eram estruturados e por que este tipo de recurso era utilizado;
- c) a terceira parte foi composta por sentenças elaboradas a partir da literatura disponível sobre aprendizagem de adultos, grupos, vínculo, entre outros. O respondente deveria manifestar seu grau de concordância/discordância, considerando uma escala de Likert de cinco pontos;
- d) no último bloco, o foco foi captar a experiência pregressa com grupos (não só em sala de aula, mas em outros contextos, como em projetos, equipes de trabalho, trabalho voluntário) e o interesse em se capacitar no tema.
O resultado foi um instrumento com 37 questões, sendo 35 fechadas (33 obrigatórias) e duas abertas (não obrigatórias), de livre resposta (motivações para realizar atividades em grupo em sala de aula e desafios ao se considerar grupos nos processos de aprendizagem). O primeiro e o terceiro bloco inserem-se na parte descritiva da pesquisa, enquanto o segundo e o último na parte exploratória.
Inicialmente, o instrumento continha 35 questões fechadas e não havia o segundo bloco. Esta primeira versão foi submetida à apreciação de quatro profissionais: uma especialista (psicóloga social) em Pichón-Riviére e didata em coordenação de grupos, que contribuiu para a validação de conteúdo; dois docentes, um de Administração e outro de Publicidade e Propaganda, assim como uma psicopedagoga especialista em método fizeram a validação de face, verificando o quão compreensível e acessível estava o instrumento. Considerando esta validação, chegou-se ao instrumento final de 37 questões.
O questionário foi inserido na plataforma Google Forms, permanecendo aberto para respostas no período de nove a 21 de setembro de 2017. O link do questionário foi enviado por e-mail pelos autores para sua rede de contatos (docentes, coordenadores de curso, gestores de instituições voltadas à educação de adultos, etc). Utilizou-se a técnica da “bola de neve”, isto é, solicitava-se que essas pessoas repassassem para outros docentes que representassem o público-alvo do estudo, e estima-se que cerca de 300 profissionais foram alcançados. Ao final do período, foram obtidas 86 respostas ao questionário (todas aptas a análise), isto é, considerando a estimativa de envio para 300 pessoas, a amostra de respondentes representa 29%.
A análise dos dados quantitativos foi realizada basicamente por estatística descritiva (frequência, percentual, média, desvio-padrão…). Para os dados qualitativos (questões abertas) foi realizada de análise de conteúdo. Na sequência, apresentam-se os dados e as respectivas análises.
5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Para apresentar os dados, optou-se por seguir os blocos do questionário.
5.1 Perfil da amostra
No que diz respeito aos aspectos sociodemográficos, a maior parte dos respondentes era do gênero feminino, com idade entre 30 e 39 anos. A média etária da amostra ficou em torno de 42 anos, ou seja, docentes não tão jovens em termos de idade e com alguma experiência de vida. Na Tabela 1, detalham-se estas informações:

Em termos de tipo de instituição, houve um certo equilíbrio na amostra: 44,19% dos respondentes declararam que atuam em instituições privadas e 48,84% em instituições públicas. Os demais (6,98%) acumulam responsabilidades tanto em instituições públicas quanto privadas.
Com relação a aspectos de educação formal concluída, a grande maioria da amostra tem mestrado e doutorado (90,70%). Apenas um caso de curso superior (1,16%) e cinco de especialização (4,65%). Houve ainda registro de três casos de pós- -doutorado (3,49%). Como o foco desta pesquisa são docentes de Ensino Superior e Pós-graduação, a amostra reflete as exigências legais do MEC. Ainda, sendo boa parte da amostra professores de instituições públicas, é usual a seleção (concurso público) para docência exigir, no mínimo, mestrado para cargos de Ensino Superior e doutorado para Pós-graduação.
Quanto às áreas de conhecimento de formação dos respondentes, apresenta-se a distribuição na Tabela 2.

Constata-se a preponderância de professores formados em Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Direito, Ciências Contábeis, Economia, Arquitetura, Design, Gestão de RH e Comunicação), seguida pela formação em Ciências Exatas e da Terra (Computação, Matemática, Física, Química e Sistemas de Informação). Pode-se observar que a área de saúde é a que teve menor representatividade. No geral, a amostra apresentou diversidade.
Outro aspecto pesquisado do perfil dos docentes foi sobre a realização ou não de estágio docente na educação superior e também, tempo de experiência em sala de aula. Sobre o estágio docente, 59,30% dos respondentes afirmaram ter realizado. Quanto ao tempo de experiência na docência de adultos, a média foi de cerca de 10 anos e meio. A distribuição por faixas é apresentada na Tabela 3:

Os dados da Tabela 3 mostram que praticamente dois terços da amostra atua no Ensino Superior e de Pós-graduação há pouco tempo. Se conjugarmos com os dados sobre a idade deste grupo (média etária de 42 anos, na faixa entre 30 e 49 anos), pode-se supor que a docência foi uma carreira escolhida em idade madura, ou até mesmo, pode ser uma carreira paralela.
Com isso, conclui-se a descrição do perfil da amostra, constatando-se que, à exceção do equilíbrio entre respondentes de instituições privadas e públicas, nos demais quesitos, reflete os dados presentes no Censo da Educação Superior 2016 (MEC, 2017).
5.2 Atividades em grupo em sala de aula
Questionados se costumam promover atividades em grupo em sala de aula, 95,35% da amostra afirma que sim e, adicionalmente, tais atividades são consideradas na avaliação da aprendizagem. Quanto à formação dos grupos, 44,48% dos docentes permitem que os alunos estruturem os grupos por conta própria, enquanto 44,19% às vezes permite e noutras define os grupos. Somente 2,33% da amostra que promove atividades em grupo sempre define os grupos sem participação dos alunos em todos os casos.
As razões que levam os professores a promoverem atividades em grupo – uma das questões abertas da pesquisa – foram categorizadas e são apresentadas no Quadro 1.

Os docentes indicaram que a principal motivação para utilizar atividades em grupo é desenvolver habilidades/competências dos estudantes para trabalhar em equipes (59%). Entre as habilidades mais comumente referidas nas respostas estão: a colaboração, a comunicação, a liderança e o relacionamento interpessoal. Entre outras motivações relatadas pelos professores estão a troca de saberes, conhecimentos e experiências entre alunos (47%), estimular a aprendizagem coletiva/colaborativa (28%) e a geração de produtos mais complexos por parte dos alunos (23%).
Estes dados sugerem que os professores percebem estas as atividades como uma opor tunidade para os alunos desenvolverem habilidades individuais para trabalhar em grupos. Por outro lado, nenhum docente indicou que uma das motivações seria desenvolver o grupo de alunos ou a turma como um todo. Uma hipótese seria que o desenvolvimento do grupo (=turma) não é considerado de maneira integrada, e que o foco professores respondentes está centrado apenas no desenvolvimento individual.
A partir das respostas obtidas, há indícios que a maioria dos professores possuem uma visão tradicional dos grupos de trabalho, em detrimento de grupos em aprendizagem colaborativa e cooperativa. Quando se consideram trabalhos colaborativos e cooperativos, existe uma busca por uma parceria entre os sujeitos participantes que vá além da simples soma de mãos para a execução de uma tarefa. Em um contexto escolar, a aprendizagem colaborativa seria duas ou mais pessoas trabalhando em grupos com objetivos compartilhados, auxiliando-se mutuamente na construção de conhecimento (TORRES; IRALA, 2014). Ao professor não basta apenas colocar, de forma desordenada, os alunos em grupo, deve sim criar situações de aprendizagem em que possam ocorrer trocas significativas entre os alunos e entre estes e o professor.
No Quadro 2 apresentamos algumas diferenças fundamentais do grupo cooperativo e do trabalho em grupo tradicional:

5.3 Percepção quanto aos fenômenos grupais em sala de aula
Na terceira parte do questionário, os docentes foram convidados a compartilhar sua percepção em relação a sentenças pré-definidas. Essas sentenças foram elaboradas a partir dos conceitos teóricos sobre aprendizagem e grupos. Os resultados são apresentados nas Tabelas 4, 5, 6, 7 e 8.

As sentenças 1 e 3 estão relacionadas à abordagem Comportamentalista, que vê o aluno como produto do meio. Ela assume que o professor é responsável e controla planejamento e organização da aprendizagem. A sentença 3 indica um processo centrado no professor e criando “liderados”. As sentenças 2 e 4 se referem à abordagem Humanista, que enfatiza as relações interpessoais e do crescimento que delas resulta. A sentença 4 por exemplo, revela que a maior preocupação do professor deve ser a de dar assistência aos alunos.
Interessante observar o paradoxo entre as médias das sentenças 2 e 4: ao mesmo tempo que a sentença 2 (abordagem Humanista) apresentou a maior média, indicando que a maioria dos professores (76%) concorda totalmente com o papel de facilitador em sala de aula, apenas 6% dos respondentes concordaram totalmente com a afirmação presente na sentença 4. É possível que a maioria dos respondentes acredite que a aprendizagem seja resultado também do que é “ensinado”, e/ou que o aluno atual não possua as habilidades e competências para buscar os conhecimentos de maneira autônoma.
Por fim, os resultados indicam que a maioria dos respondentes concorda (totalmente ou parcialmente) com a ideia do professor como um agente que “controla” e/ou “coordena” isoladamente o processo de aprendizagem. Segundo Hazoff Junior et al. (2008), o ensino centrado no professor pode resultar, para muitos alunos, em um retardamento da maturidade, pois coloca os estudantes em total dependência dos docentes e currículos estabelecidos, o que frequentemente resulta em falta de autonomia e motivação. Nesse cenário, a instituição e o professor costumam decidir o que, quando e como os alunos devem aprender cada assunto ou habilidade, adaptando-se às regras preestabelecidas.

A sentença 5 é baseada em uma das ideias centrais de Pichón-Rivière (2005), que afirma que os grupos de aprendizagem são regidas por algumas leis, entre elas a Heterogeneidade e Homogeneidade. Segundo o autor, grupos heterogêneos podem apresentar um processo mais homogêneo de aprendizagem, desde que apropriadamente trabalhados. Apenas 9,6% dos respondentes concordam totalmente com essa afirmativa, sendo que 44% discordam (totalmente ou parcialmente). Este resultado pode refletir também as experiências negativas dos professores em lidar com a heterogeneidade em sala de aula, conforme explicitado nos desafios quando se considera a aprendizagem no grupo (Quadro 3).
Cerca de 47% dos professores discordam (totalmente ou parcialmente) da sentença sobre a preferência de trabalhar com grupos homogêneos ao invés de grupos heterogêneos. Possivelmente os respondentes percebam as vantagens potenciais de um grupo diverso, e a maioria das docentes veem a ideia da turma heterogênea como positiva com relação à interação entre alunos na turma. Essa ideia é reforçada pelas principais motivações dos professores para a realização de atividades grupais em sala de aula (Quadro 1) (p.ex.: troca de experiências a partir de diferentes pontos de vista). No entanto, a heterogeneidade é novamente mencionada como um dos principais desafios (Quadro 3) para o desenvolvimento de atividades em grupo na turma.
Dentre os vetores de comportamento grupais, propostos por Pichón-Rivière (2005), representados nas questões demonstradas na Tabela 6, percebe-se uma concordância mais significativa, na percepção dos professores respondentes, em relação à importância do vínculo entre os alunos, em sala de aula, e deles com o professor para promover a aprendizagem, mesmo que não demonstrem em outras questões do questionário a quebra da polaridade professor-aluno proposta pelo autor sobre o tema.

Embora não esteja sendo assumido que o grupo em sala seja um grupo operativo, a resistência é um comportamento da pré-tarefa que não é percebido de forma significativamente pelos professores em relação às atividades em grupo propostas. Os professores também se sentem capazes de engajar os alunos e estimular sua criatividade nas atividades propostas. Consideram-se abertos a tratar sentimentos, se trazidos para a sala de aula ou até trazer os seus para o grupo.
Nas sentenças que abordavam o tema colaboração e competição em sala de aula, como pode ser verificado na Tabela 7, à exceção da 15, que se aproximou de uma média 4 (concordo em parte) e teve desvio-padrão inferior a 1 (no caso, 0,77), as demais sentenças tiveram suas médias situadas no intervalo neutro (nem concordo, nem discordo), porém, com um desvio-padrão significativo (maior que 1). Do ponto de vista estatístico, isto pode ser um indicativo de percepções heterogêneas sobre o que foi questionado.

No caso da sentença 12, uma hipótese que surgiu para explicar a incidência de uma percepção mais neutra é, dependendo da instituição de ensino, existe a exigência dos docentes iniciarem as aulas já com os planos de ensino estruturados, isto é, com todas as datas e atividades avaliativas pré-determinadas, o que acaba reduzindo a margem de definição colaborativa das estratégias de avaliação com os alunos. Por outro lado, esta restrição afeta especialmente na questão de o que vai ser avaliado, podendo, alternativamente, ser compactuado com os alunos o como será avaliado.
Na sentença 13, o foco era avaliar o estímulo à comparação e competição entre os alunos, o que seria um contraponto à cooperação, um dos vetores do ECRO de Pichón-Rivière. As respostas foram bem heterogêneas, como pode ser verificado pelo desvio-padrão, sinalizando que esta não é uma prática considerada unânime em sala de aula. Já na sentença 15, em oposição a 13, o objetivo era verificar a cooperação e, pela média e desvio- -padrão, constata-se que os docentes percebem a colaboração em sala de aula. Pode-se fazer uma associação com o vetor da aprendizagem, do modelo ECRO, no sentido de que a aprendizagem acontece quando cada membro traz suas informações e contribuições para a tarefa, gerando melhora e amadurecimento no grupo.
Um último grupo de sentenças procurou abordar a percepção quanto às relações em sala de aula – Tabela 8. Nota-se que a média se situou mais próxima ao nível 4 (concordo em parte), entretanto, novamente com um desvio-padrão significativo (maior que 1). Em ambas as questões, há um enfoque do professor como interventor, com um papel mais dominante no grupo – este tipo de comportamento acaba por depor contra uma educação mais humanista e protagonizada pelo corpo discente. O professor acaba por exercer um papel de líder – mas um líder que tem o poder ou a responsabilidade de resolver conflitos e para isto emprega a autoridade que seu papel (de docente) lhe concede. Neste sentido, as médias parecem indicar que há uma identificação com este papel.

Na sequência, apresentam-se os resultados relativos à experiência pregressa dos docentes com grupos.
5.4 Experiência pregressa com grupos
No último bloco, foi questionado se os respondentes tinham experiência com grupos fora da sala de aula, exemplificando-se como experiências equipes de trabalho, grupos de projeto, grupos de voluntariados e similares. Na sequência, os respondentes foram perguntados sobre se as instituições de ensino promoviam alguma capacitação voltada para condução de grupos (como oficinas, workshop, cursos sobre temas como gestão de conflitos, gestão de equipes, liderança, etc). As respostas consolidadas das duas questões são mostradas na Tabela 9.

Consultados se teriam interesse em participar de uma formação para condução de grupos, com foco na educação de adultos, 65,12% dos respondentes afirmou ter interesse, 27,71% responderam que talvez e 8,14% não demonstrou interesse. Observa-se que, para o grupo pesquisado, embora as instituições de ensino não estejam promovendo o desenvolvendo habilidades para lidar com grupos, há um interesse por parte dos docentes no tema, o que pode sugir que é uma competência pertinente.
Finalizando a pesquisa, os professores foram convidados a compartilhar quais os maiores desafios quando se consideravam os grupos no processo de aprendizagem. Esta era uma pergunta livre e os resultados são apresentados no Quadro 3, agrupados por categorias.

De acordo com os professores respondentes, o maior desafio das atividades em grupo é o (ou a falta de) engajamento e motivação do grupo ou de alguns membros do grupo (46%). Em mais da metade das respostas classificadas nesta categoria nota-se a preocupação dos professores que todos os membros do grupo trabalhem de forma igualitária a fim de não sobrecarregar os demais integrantes ou que não se cometam “injustiças”: “Ter certeza que todos participem de forma igualitária”. (Respondente 09). “Garantir que a troca aconteça entre todos e que todos se engajem de alguma forma, evitando as ‘caronas’ (Respondente 18).“Conseguir manter o mesmo nível de engajamento entre todos os alunos. Geralmente, observamos que uma grande parte está envolvida nas atividades, mas sempre há uma parcela que não faz questão de se envolver” (Respondente 40).
Dentre outros desafios frequentemente relatados, destacam-se: lidar com a heterogeneidade do grupo (17%), os conflitos e problemas de relacionamento entre alunos (15%) e estimular a cooperação e autonomia nos alunos. É provável que todos estes fatores estejam relacionados, considerando a dinâmica relacional dos grupos em sala de aula. O desafio de lidar com o diferente (heterogeneidade) e a ausência de uma comunicação autêntica pode dificultar o engajamento dos estudantes nas atividades e a construção de um ambiente colaborativo. Para Pichón-Rivière (1994), é fundamental que o sujeito se sinta pertencente ao grupo para que haja engajamento. Indivíduo que consegue se ver como pertencente a um grupo adquire uma referência e vai assumir uma identidade particular em função desse grupo, a qual lhe permitirá conhecer-se, localizar-se e “elaborar estratégias para mudanças”. A partir das respostas dos professores, podemos notar que a dinâmica do funcionamento do(s) grupo(s) não é comumente abordada em sala de aula, e o foco está voltado principalmente para a realização da tarefa.
Ainda analisando o Quadro 3, nota-se, pela opinião de alguns docentes, que quando se fala em “grupos em sala de aula”, há um direcionamento para grupos estabelecidos para realizar tarefas, trabalhos, atividades. Isto pode indicar que nem todos os docentes conseguem perceber a turma de alunos como um todo como um grupo e, como tal, com seus processos dinâmicos, em que circulam papéis.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como objetivo central conhecer a percepção dos professores de Ensino Superior e Pós-graduação em relação a processos grupais e ao seu papel no grupo no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. Em relação à questão norteadora, se os docentes de educação de adultos (Ensino Superior e Pós-graduação) consideram as relações grupais no contexto de aprendizagem, o conjunto de respostas às questões objetivas com os depoimentos às questões abertas levam a concluir que não. Os docentes da amostra pesquisada aparentam não ter consciência dos processos grupais em sala de aula – considerando as teorias de grupo (no caso do estudo, em especial as definições de Pichón-Riviére). Esta se mostra uma oportunidade de competência a ser desenvolvida, pois como caracterizado no início deste estudo, a sala de aula é cada vez mais uma heterogeneidade de classes, saberes e visões de mundo, logo, percebê-la como um conjunto de processos grupais pode ser um recurso para direcionar os movimentos grupais em direção ao aprendizado, aplicando as diferenças em prol deste processo.
Adicionalmente, propôs-se a investigar se os docentes estão conscientes do papel das relações interpessoais (professor x aluno e aluno x aluno) no processo de ensino-aprendizagem. Novamente, a partir da amostra pesquisada, entende-se que, em parte. A relação professor – aluno é considerada mais relevante que a dos alunos entre si, inclusive, com uma conduta autoritária, se necessário, do professor, na condução da resolução de conflitos, o que acaba por reduzir o espaço dos alunos para exercerem sua autonomia (embora não se esteja avaliando o quanto os alunos abrem mão desta autonomia).
Há também um foco no aluno como indi víduo, e não como membro de um grupo. Até em termos de vínculo, há mais ênfase no vínculo professor-aluno que aluno-aluno – por sinal, a percepção do vínculo como elemento importante no processo de aprendizagem foi algo aparente na amostra pesquisada. Para Pichón-Riviére, ao se estimular os vínculos nos grupos, favorece-se a socialização, a comunicação e, por conseguinte, a aprendizagem no grupo.
Sobre sentirem-se capacitados para lidar com os processos grupais em sala de aula, aparentemente, as respostas também demonstraram que não, diante dos desafios apresentados, em especial a dificuldade de comprometer os alunos e lidar com turmas heterogêneas, ao mesmo tempo em que há um interesse em se capacitar no tema, mesmo que as instituições de ensino não estejam fornecendo este tipo de formação.
Outros achados que os dados permitiram observar foram uma visão ainda comportamentalista do processo de aprendizagem, centrado no professor, em que pese haja um discurso mais humanista. Isto tanto pode ser visto em relação à sentença “A aprendizagem resulta das experiências do aluno, que é capaz de buscar por si só os conhecimentos”, como também a baixa incidência na categoria “Estimular a autonomia/protagonismo dos estudantes” como motivadora a desenvolver atividades em grupo em sala de aula, além de outras sentenças que demonstraram centralidade do papel do professor na condução dos processos de aprendizagem.
Numa leitura mais ampla, arrisca-se a cogitar que a sala de aula ou o espaço universitário acaba sendo uma reprodução de comportamentos e modelos mentais que permeiam nossa sociedade, comportamentos estes desenvolvidos a partir de uma educação familiar em que cabem aos pais as respostas e os limites; depois, na educação básica, aos professores (os detentores do saber); mais adiante, no universo profissional, aos gestores, chefes, empregadores, enfim, as instituições sociais ainda têm um funcionamento de pouco estímulo à autonomia e quando esta autonomia é dada, depois de tantos anos experimentando o controle, nem sempre os indivíduos sabem como agir.
Como toda pesquisa quantitativa, este estudo tem suas limitações. Iniciando, pelo tamanho da amostra, que não permite generalizações. Ao mesmo tempo, como comentado na análise, estatisticamente, há evidência de que não houve uma percepção homogênea quanto a algumas questões, logo, seria importante revisar o instrumento considerando estes aspectos.
Apesar destas limitações, entende-se que este estudo poderia ter continuidade de diversas formas: uma pesquisa mais qualitativa sobre o tema com os docentes, para uma perspectiva mais detalhada e profunda desta percepção de processos grupais; pesquisa sobre a percepção dos alunos quanto ao mesmo tema, especialmente em relação ao papel do docente, de modo a captar o “outro lado da moeda”, uma vez que se presume que a sala de aula enquanto espaço grupal é uma construção tanto de professor quanto de alunos.
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