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Emoção e tarefa: interações em grupos de pais e mães no Whatsapp

WhatsApp deixa de funcionar em versões do iOS e do Android - Link - Estadão

Larissa Langer Magrisso

Tiago Francisco Pereira

Revista 8 – Artigo 6

1 INTRODUÇÃO

Quanto mais se expande o acesso à tecnologia, mais crescem as possibilidades de comunicação dinâmica entre as pessoas. Neste contexto cada vez mais conectado, nos chamam a atenção as novas configurações de grupos que podem ser formadas, sem a necessidade de uma relação presencial entre os membros, muitas vezes com interações em tempo real, via telefone celular, e sem intermediários ou lideranças formais. Essas novas formações podem ou não ter um impacto futuro na Dinâmica dos Grupos como a conhecemos hoje. Nosso objetivo neste artigo, assim, é contextualizar esse momento de novas possibilidades e observar as percepções dos membros de uma nova categoria de grupos sobre essas interações, enquanto estas novas configurações se estabelecem, traçando paralelos com temas estudados durante nosso curso de Pós-Graduação em Dinâmica dos Grupos.

Para isso, escolhemos estudar os grupos formados no aplicativo de troca de mensagens instantâneas WhatsApp por pais, mães e responsáveis por crianças e jovens para acompanhamento de suas atividades escolares. Com a expansão e facilitação deste tipo de comunicação, crescem junto as dúvidas quanto ao funcionamento e os comportamentos possibilitados por esta ferramenta, que pode ser tanto uma fonte de ajuda e acolhimento na tarefa de educar os filhos, como de pressões, julgamentos e conflitos. Neste ambiente, os membros interagem sem intermediários ou liderança formal (como a exercida por professores e direção da escola), trocando informações e pontos de vista sobre a educação dos filhos. Tudo pode ser dividido com agilidade, ganhando uma repercussão também amplificada.

Como membros da sociedade, também nos percebemos impactados por comentários de conhecidos que integram grupos voltados para acompanhamento de atividades escolares e notícias da mídia relatando os efeitos desse novo tipo de interação grupal. Muitos citam relatos negativos, como excesso de mensagens, desavenças entre membros e interferências nos processos educacionais dos filhos, como o fornecimento de informações, datas e conteúdos que deveriam ser responsabilidade dos alunos. Outros relatos citam o aspecto positivo da troca de informações e a criação de vínculo, com a facilitação de ajuda entre os membros.

 Em uma publicação que repercutiu entre pais e profissionais de ensino, a pedagoga Fernanda Flores, diretora pedagógica da Escola da Vila, em São Paulo, relata:

Esse é o aspecto que vemos como mais positivo desses grupos: ampliaram as rodas das portas da escola e incluíram aqueles que não dão conta de levar e buscar seus filhos todos os dias. Mas em que medida aparecem, também, temas que geram desconforto entre os participantes dos grupos de Whatsapp, assuntos que promovem desavenças e interpretações precipitadas de fenômenos inerentes ao cotidiano escolar? […] Há também outras situações igualmente embaraçosas, das quais surgem desrespeito entre pais, mães, responsáveis, com escritas que acuam, constrangem, julgam ou reprimem condutas, nem sempre conhecidas devidamente. A expressão desses julgamentos efêmeros ganha concretude escrita, ao contrário das palavras orais que se esvaem e são esquecidas. Indisposições e eventualmente inimizades são criadas desnecessariamente. (FLORES, 2016).

Vem de relatos como o de Flores (2016) e outros, encontrados na mídia e expostos também por colegas e familiares, a motivação para estabelecer os aspectos que investigamos sobre estes grupos. Interessou-nos, especialmente, entender a percepção dos membros desta categoria de grupos sobre as interações que ocorrem nos mesmos. Em especial, esta dualidade descrita por Flores (2016): as interações são percebidas como positivas ou negativas? Os membros identificam objetivos claros nos grupos que participam? Percebem interações mais voltadas a tarefas, para resolução de problemas ou trocas de informações; ou mais voltadas à emoção, com demonstração de apoio ou conflito? Existe relação entre o vínculo demonstrado com os grupos e os tipos de interação percebidos pelos membros?

Para embasar essa observação, utilizamos o sistema de categorização de interações em pequenos grupos descrito por Robert Freed Bales em 1950 (BALES, 1950). Este sistema, que será explicado resumidamente no decorrer do trabalho, foi aplicado em uma pesquisa survey realizada com membros de grupos formados no WhatsApp por pais, mães e responsáveis por alunos, possibilitando, assim, entender se as categorias de interação são identificadas pelos integrantes deste tipo de grupo.

Também foi realizada uma pesquisa qualitativa para buscar estabelecer uma contextualização histórica do efeito da tecnologia na formação de grupos, em especial o fenômeno dos grupos de WhatsApp de pais e mães de alunos, complementada por fontes bibliográficas (artigos em revistas e sites sobre o tema).

 A partir do ano 2009, quando Jan Koum, fundador e CEO do WhatsApp, nascido em Kiev na Ucrânia e imigrante nos Estados Unidos ainda na infância, idealizou o aplicativo de comunicação instantânea, veio a facilitar a comunicação global acessível a simples toques de dedos em uma tela. De acordo com pesquisa da instituição Ovum, em 2015 a troca de mensagens instantâneas pelo WhatsApp – aplicativo de mensagens instantâneas para smartphones que permite a criação de grupos em que todos os membros recebem textos, áudios, fotos e vídeos em tempo real e podem interagir entre si – superou a troca de mensagens pelo sistema SMS (Short Message Service, que em português significa serviço de mensagens curtas disponível para aparelhos de telefones móveis digitais) no mundo. Foram 30 bilhões de mensagens enviadas diariamente pelo WhatsApp, contra 20 bilhões de SMSs (PARRY, 2015)

Entendendo que este tipo de comunicação irá se popularizar cada vez mais, rompendo limites de comunicação e possibilitando novas formações e interações grupais, nos interessamos em relacionar as dinâmicas destes grupos com os referenciais teóricos que temos estudado em nosso curso de PósGraduação. Assim, temos a intenção de contribuir para estudos futuros, contextualizando os fenômenos dos grupos de WhatsApp formados por pais, mães e responsáveis pelo acompanhamento de atividades escolares de crianças e jovens, e como suas interações são percebidas pelos membros.

2 Referencial teórico

Para identificar como os membros de grupos de Whatsapp formados para acompanhamento de atividades escolares percebem as interações nestes grupos estudados, este trabalho usa como base o sistema de categorias de interação criado pelo psicólogo social americano Robert Freed Bales (1916-2004) em 1950. O estudo de Bales especializou-se nas interações em pequenos grupos e foi pioneiro no desenvolvimento de um método sistemático para observação de grupos e medição do processo de interações em grupos de trabalho, cujo principal objetivo consiste na resolução de problemas. Seu primeiro sistema foi chamado de IPA (do inglês Interactive Process Analysis), usado para classificar o comportamento de grupos que eram orientados a tarefas e de grupos que eram orientados à emoção. O método, descrito primeiramente na obra Interaction Process Analysis (BALES, 1950), é considerado por Mills (1970, p. 57) “uma das técnicas mais claramente planejadas e certamente uma das mais amplamente usadas para a categorização de comportamento explícito em grupos”.

No IPA, a tarefa do observador é identificar como e com qual frequência as ações pertencentes a cada categoria ocorrem no encontro que está sendo observado. Examinando com qual frequência as diferentes categorias de interação acontecem durante as diferentes fases do encontro e entre os diferentes membros do grupo, o observador é capaz de descrever o perfil de funcionamento do grupo, as fases da atividade e a diferenciação de papéis entre os membros (BALES, 1953; BALES; SLATER, 1956 apud PERÄKYLÄ, 2004).

Bales (1950) trouxe para o estudo das Dinâmicas de Grupo uma proposta de sistematizar o trabalho do observador, trazendo 12 categorias de interações possíveis entre os membros durante um encontro. Essas mesmas 12 categorias foram usadas neste artigo em uma pesquisa eletrônica qualitativa (survey), que buscou identificar a percepção dos membros de grupos de WhatsApp de acompanhamento de atividades escolares sobre o teor das conversas que ocorrem nestes grupos.

HARE (2000) nos traz uma prévia da importância desta sistematização da avaliação de interações e da possibilidade de seu uso em contextos atuais e virtuais:

Quando Bales começou a pesquisar, no final dos anos 1930, a psicologia social concentrava-se na compreensão de um solucionador de problemas individual (o eu) lidando com uma “situação”. A abordagem foi semelhante à observação de um rato em um labirinto; contudo, o contexto acabou por se transformar em múltiplos sistemas de pessoas que interagem. Os sistemas reais de interação podem variar em tamanho de pequenos grupos até organizações, sociedades e culturas. Em cada nível do sistema, os valores dos indivíduos estão no topo da hierarquia cibernética na determinação dos limites e direção da interação social. (p. 200).

Como é possível notar na reflexão do autor, o sistema de Bales (1950) pode ter diferentes aplicações, além da inicialmente proposta, para guiar o trabalho do observador de grupos.

Como um dos pontos de partida desta pesquisa, também levamos em consideração a sugestão de Moscovici (2009), que, ao apresentar o sistema criado por Bales (1950) para categorizar os tipos de interações presentes em um grupo, imagina:

[…] seria interessante comparar esses dados, que se referem a grupos típicos, normais, de universitários norte-americanos para resolução de problemas, com grupos nossos em reuniões de trabalho e verificar até que ponto os participantes também manifestam opiniões e informações não solicitadas com a mesma frequência, bem como a proporção das outras categorias. (p. 116).

Partiremos do sistema concebido por Bales (1950) aos grupos de WhatsApp criados por pais, mães e responsáveis para acompanhamento de atividades escolares de jovens e crianças, entendendo, assim, como as interações são percebidas pelos membros dos grupos e se os fenômenos mantêm relação entre si.

2.1 Categorias de Interação do Sistema IPA

De acordo com Bales (1950), as 12 subcategorias de interações do sistema IPA são o número mínimo de formas possíveis de descrever uma unidade de interação. Para fins deste trabalho, usaremos a tradução de Moscovici (2009, p. 117). Essas 12 subcategorias são, por sua vez, agrupadas em quatro categorias: reações positivas, tentativas de resposta, perguntas e reações negativas. Estas categorias são divididas em duas áreas e relacionadas a seis problemas, conforme a figura 1.

2.2 Interações em grupos: emoção e tarefa

O método de observação de Bales (1950) consiste em classificar e categorizar as interações que ocorrem em pequenos grupos, agrupando-as e reagrupando-as de diferentes formas, a fim de identificar o funcionamento próprio de cada grupo. As categorias distribuem-se em duas áreas: a área de tarefa e a área socioemocional. A primeira é considerada neutra e engloba os comportamentos de perguntas e tentativas de respostas. A segunda pode ser positiva ou negativa, conforme as reações emocionais manifestadas pelos participantes. Esses dois conceitos, emoção e tarefa, permeiam nossas análises ao longo do trabalho.

 Segundo Moscovici (2009), a área de tarefa compreende as funções ao nível de interação de conteúdo ou canalização de energia para a consecução dos objetivos comuns do grupo, enquanto a área sócio-emocional compreende as funções de manutenção do próprio grupo.

Outro autor que também se debruçou sobre o sistema desenvolvido por Bales (1950) foi Mills (1970), que destaca um importante aspecto do estudo de interações em grupo:

Bales sugere que as funções instrumentais (ligadas a tarefas) e as funções socioemocionais estão dinamicamente relacionadas; as tentativas para solucionar a tarefa tendem a separar o grupo; o que exige atividade reintegradora; as tentativas para reunir o grupo tendem a reduzir a eficiência na tarefa, o que exige nova acentuação da tarefa. (p. 59).

3 Coleta e análise dos dados

A busca de informações em campo ocorreu com a aplicação de uma pesquisa survey (Apêndice), que contou com 25 questões, sendo três questões abertas, para interação com o respondente, e 22 questões fechadas, com resposta opcional pré-determinada pelo pesquisador, usando como totalizador os dados quantitativos para proporção e agrupamento.

A pesquisa ocorreu durante o período de 21/03/2017 até 30/03/2017 e contou com um total de 150 respondentes. Destes respondentes, 87 pessoas (58% do total) se encaixaram no perfil de resposta completa, 37 pessoas (25% do total) se encaixaram no perfil de respostas parciais e 26 pessoas (17% do total) se encaixaram no perfil de respostas desqualificadas, sendo que, para este perfil os gatilhos de desqualificação eram os seguintes:

– Não ter filho ou não ser responsável por um aluno em idade escolar;

– Não participar de grupo de WhatsApp de pais, mães e responsáveis por alunos.

O perfil básico das pessoas participantes da pesquisa pode ser observado na tabela de classificação dos participantes, demonstrada abaixo (tabela 1)

3.1 Principais dados obtidos na pesquisa

                Para obtermos um resumo das percepções dos membros a respeito das suas próprias interações no grupo, aplicamos as 12 subcategorias descritas por Bales (1950) na forma de perguntas objetivas e respostas em escala Likert, conforme a tabela 2.

Para a classificação matemática, utilizou-se a ferramenta de escala Likert para ponderação dos dados obtidos. Desta forma, foi efetuada a multiplicação do número total das respostas por: zero para cada resposta ‘Nunca’; um para cada resposta ‘Raramente’; dois para cada resposta ‘Às vezes’, três para cada resposta ‘Frequentemente’ e quatro para cada resposta ‘Sempre’.

Com isto, cada uma das doze classificações de interações teve uma pontuação frente a sua área/categoria. Os resultados principais foram: a categoria ‘reações positivas’ resultou em uma pontuação destaque (232) para a subcategoria ‘1. Mostra solidariedade’; a categoria ‘tentativas de resposta’ resultou em uma pontuação destaque (240) para a subcategoria ‘6. Dá informação’; a categoria ‘perguntas’ resultou em uma pontuação destaque (179) para a subcategoria ‘7. Pede informação’ e a categoria ‘reações negativas’ resultou em uma pontuação destaque (115) para a subcategoria ‘10. Mostra discordância’ (tabela 3).

Quando perguntados sobre como enxergam as conversas nos grupos, os respondentes destacam os pedidos de ajuda, informação e opinião. E a minoria destaca a categoria de interações emocionais negativas (gráfico 1)

Quando comparamos a percepção dos respondentes sobre as interações do grupo e as próprias interações, percebemos diferenças, conforme se observa no gráfico 2.

Segundo Moscovici (2009), os estudos de Bales registraram a seguinte distribuição típica de comportamentos entre membros de grupos: cerca de 12% de reações negativas, 25% de reações positivas, 7% de perguntas e 56% de respostas. Como pontua ainda o mesmo autor:

[…] este resultado indica, claramente, que a maior parte da interação no grupo é realizada sob forma de respostas sem perguntas equivalentes, isto é, informações, opiniões e sugestões não pedidas. Menos da metade de dos comportamentos interativos expressa reações positivas, negativas e perguntas. (MOSCOVICI, 2009, p. 116).

O comparativo dos dados levantados na pesquisa frente à distribuição típica (gráfico 3) traz variações de dados interessantes, como por exemplo, no campo de tentativas de resposta, no qual a distribuição típica aponta para 56% e na pesquisa o percentual resultou em 33,4%. Assim é também o índice no campo de perguntas, no qual a distribuição típica aponta para 7% e na pesquisa o percentual resultou em 22,02%. Estes dados apontam para uma interação diferente do usual, sendo que uma das possibilidades desta variação pode estar na forma desta interação, que deixa de ser um momento face a face e passa a ser um momento sem interação presencial de ambos os lados da comunicação.

3.2 Objetivo dos Grupos

                Ao estudar o funcionamento de grupos, Cartwright e Zander (1967) relacionam a percepção de eficácia de um grupo à presença de objetivos claros para o mesmo.

Existe um objetivo do grupo quando alguma localização no ambiente do grupo se tornou a “preferida” para este. O grupo apresenta, então, uma atividade dirigida para a localização preferida e se afasta das menos aceitas. Avalia-se o êxito do grupo através do avanço na direção da localização preferida. (p. 425).

Para entender se os respondentes identificavam um objetivo claro para os grupos de WhatsApp em questão, fizemos uma pergunta aberta: “Como você definiria o objetivo destes grupos?”. As 90 respostas válidas geraram a seguinte nuvem de palavras, em que se destacam as expressões ‘atividades’, ‘filhos’ e ‘troca’ (figura 2).

A partir destas perguntas abertas, classificamos as respostas obtidas entre ‘tarefa’ e ‘emoção’ (gráfico 4), para obter um maior entendimento sobre a percepção dos objetivos. Assim, a partir das definições de Bales (1950) citadas por Moscovici (2009), classificamos cada resposta como:

Tarefa: considerada neutra, engloba os comportamentos de perguntas e tentativas de respostas, além da interação de conteúdo ou canalização de energia para consecução de objetivos comuns do grupo. Entraram nesta categorização as respostas que demonstraram maior objetivo prático e utilidade, como ‘Trocar informações sobre os filhos em relação ao andamento das atividades escolares e afins’, ‘Rapidez’, ‘Acompanhar as atividades e datas’. As respostas classificadas unicamente como Tarefa chegaram a 46,7% dos objetivos identificados pelos respondentes.

Emoção: pode ser positiva ou negativa. Compreende as funções de manutenção do próprio grupo (solidariedade, concordância, discordância, tensão). Entraram nesta categorização respostas que identificavam o objetivo dos grupos como mais voltados a apoio e integração, como ‘Solidariedade’, ‘Trocarmos experiências, relacionamento extraclasse e relacionamento entre as mães’, ‘Formamos uma rede de proteção, trocando informações e nos apoiando mutuamente’ e, do ponto de vista da emoção negativa, respostas como ‘Falsa sensação de controle dos filhos’ e ‘Controle, fofoca’. Os objetivos de grupo identificados como voltados à Emoção compreenderam 14,4% das respostas. Aprofundando nossa análise sobre essa categoria, identificamos que 8,9% do total de respostas válidas identificaram o objetivo do grupo com uma resposta que denota emoção positiva (‘solidariedade’, ‘o bem estar dos filhos’, ‘apoio’, ‘rede de proteção’) enquanto 5,5% dos respondentes identificaram o objetivo do grupo com uma resposta que denota emoção negativa (‘controle, fofoca’, ‘esgotar minha paciência’, ‘histeria conjunta’).

 Ambas: um montante significativo das respostas (38,9%) trouxe pontos ligados tanto à área de Tarefa quanto da Emoção. Respostas como ‘Compartilhar informações, integração entre as famílias dos alunos’, ‘Troca de informações entre os pais sobre as atividades de sala de aula, conteúdos, avaliação da própria escola’, ‘Parceria entre pais para cuidados dos filhos, troca de favores, se não posso buscar minha filha, peço para alguma outra mãe’ e ‘O objetivo é ter um mínimo de controle e participação efetiva na vida escolar de seus filhos, porém… muitas vezes se transforma num palco de intolerância, preconceito e discussões descabidas. Infelizmente’ foram classificadas na categoria Ambas.

Essa análise nos ajuda a compreender que Emoção e Tarefa convivem nos objetivos identificados pelos respondentes da pesquisa. Embora aspectos práticos ligados à categoria Tarefa, como ‘agilidade na troca de informações’ tenham se sobressaído, também são facilmente identificados aspectos de solidariedade e proteção neste tipo de grupo.

Corroboram com essa análise os resultados para a pergunta aberta “Qual é a primeira palavra que vem a sua mente quando pensa nestes grupos de WhatsApp?”, em que se sobressai a palavra ‘troca’, que aparece tanto associada a aspectos mais ligados à Tarefa (‘troca de informações’, ‘troca de favores’) quanto à Emoção (‘troca de experiência’, ‘troca de apoio’).

No gráfico 5, trazemos a classificação das 87 respostas válidas para a questão citada anteriormente.

3.2.1 Emoção e vínculo: a fantasia de sair do grupo

De um total de 84 respostas válidas, 36,9% pessoas responderam que já pensaram em sair dos grupos de WhatsApp para acompanhamento de atividades escolares, enquanto 63,1% afirmaram nunca terem pensado nesta possibilidade. Na sequência, fizemos uma pergunta aberta, questionando como os respondentes imaginavam que sua vida seria afetada se saísse do grupo ou estes deixassem de existir.

 Para fins de análise, classificamos as respostas como ‘Indiferente’ (seria pouco ou nada afetado), com 39,7% das respostas, ‘Negativo voltado a Tarefa’ (perderia informações), com 36,1%, ‘Negativo voltado a Emoção’ (perderia apoio ou vínculo), 21,8%, ou ‘Positivo’, com 2,4% das respostas (gráfico 6).

Um exemplo que ilustra como a ausência do grupo pode afetar negativamente a relação de uma respondente com a educação do seu filho é relatado a seguir. A resposta mostra como o grupo, neste caso, proporciona uma maior compreensão dos fenômenos relatados pelos alunos e também como vetor de uma mobilização positiva dos pais em relação à escola, resultado da troca de experiências e integração entre os membros. Este tipo de resposta foi classificado em nossa análise como ‘Negativo/Emoção’ (21,8%).

Algumas vezes, nós só ficamos sabendo de algum problema ao montar um “quebra-cabeça” com os pedaços de informações que cada um recebe dos próprios filhos. Uma vez, uma mãe compartilhou que o filho não queria mais ir à creche porque estava com medo da “bruxa memeia” e perguntou se mais alguma criança tinha manifestado medo dessa bruxa. Meu filho nunca tinha falado nada. Mas outros pais responderam que sim e, pela junção dos relatos, vimos que as crianças contavam uma história parecida. Elas tinham ouvido de alguém que a bruxa ia pegar quem fizesse bagunça, não comesse direito, etc. Uma atitude (incutir medo para ser obedecido) com a qual nenhum de nós concordava. A partir disso, fomos questionar a diretora da escola, que concordou que essa era uma abordagem ruim. No dia seguinte, fizeram um trabalho com as crianças para tranquilizá-las, com uma história sobre a bruxa boa, que ajudava todo mundo. O menino que estava com medo da bruxa (tinha até pesadelo) superou a questão e perdeu o medo. Esse relato é para exemplificar que, se o grupo acabasse, eu provavelmente teria menos informações sobre como é o dia a dia na creche. (Respondente da pesquisa).

                Também classificamos como ‘Negativo/ Emoção’ as respostas que citaram uma maior dificuldade de criação de vínculo e encontros entre pais e/ou alunos fora da escola como uma consequência de uma suposta saída ou extinção do grupo.

Se eu saísse, acho que perderia muitas informações importantes e estaria me excluindo de muitos eventos. Se o grupo acabasse, se perde um veículo de comunicação que deixa as pessoas mais vinculadas. Se o grupo acabasse, acho que diminuiria muito a agilidade com que articulamos as coisas entre os pais, fotos compartilhadas, momentos, cafés na escola, entre outros… (Respondente da pesquisa).

Mais comuns (36,1%) foram as respostas que classificaram os efeitos de uma suposta saída ou extinção do grupo como negativo, mas voltados a tarefas. Os respondentes relataram que sentiriam falta do grupo, principalmente, em relação aos avisos e trocas de informações práticas.

Ficaria sem muitas informações, como passeios que são cancelados, temas, algum material que precisa providenciar. A criança esquece de avisar em casa ou avisa quando já não dá mais tempo. (Respondente da pesquisa).

Entre os efeitos classificados como ‘Positivos’ (2,4%), está uma resposta relacionada ao tempo dedicado para acompanhar a frequência de mensagens: “Olharia menos o celular!” (Respondente da pesquisa).

3.2.2 Vínculo x classificação das interações

Em uma análise cruzando a resposta sobre a pergunta “’Você já pensou em sair do(s) grupo(s) de WhatsApp sobre atividades escolares?”, pode-se notar que a maior proporção de ‘Sim’ está entre os respondentes que classificaram as interações em seus grupos como ‘Emocionais, com reações negativas de tensão entre os membros’, numa proporção de seis ‘sim’ para zero ‘não’. A segunda maior proporção está naqueles que classificaram as interações em seus grupos como ‘Voltadas a tarefas, com avisos e orientações’, em uma proporção de quatro ‘sim’ para nove ‘não’. Entre os que responderam que as interações em seus grupos eram mais ‘Emocionais, com reações positivas e apoio entre os membros’ ou ‘Voltadas a tarefas, com pedidos de ajuda, informação e opinião’, a proporção de pessoas que admitiram já ter pensado em deixar os grupos é menor: seis ‘sim’ contra 18 ‘não’ no primeiro caso, e 15 ‘sim’ contra 26 ‘não’ no segundo caso (tabela 4).

Dessa forma, podemos inferir que os grupos com interações percebidas como emocionais positivas ou tarefas baseadas em pedido de ajuda, informação e opinião, proporcionam um maior vínculo entre os integrantes, que demonstram pensar menos em deixar o grupo. Grupos com interações percebidas como emocionais negativas ou como voltadas a tarefas, mas baseadas em avisos e orientações, têm uma proporção maior de integrantes que demonstram ter pensado em deixar o grupo.

4 Considerações finais

O presente trabalho se propôs a observar de forma crítica a realidade interativa de comunicação via ferramenta de WhatsApp, dos grupos de pais e mães ou responsáveis de alunos. Assim foi possível emergir a realidade destas interações, com base nos retornos da pesquisa em campo, fundamentada em seu cerne utilizando a ferramenta desenvolvida por Bales (1950) para observações de pequenos grupos.

 Concluímos que as interações nos grupos, no âmbito da tarefa, convergem e canalizam suas energias entre o pedir e dar informações, demonstrando ser este seu principal objetivo comum – a troca de informações. Já no tocante ao âmbito sócioemocional, que remete ao funcionamento do grupo, demonstra ser um grupo muito solidário, contudo, com expressões de discordância entre os membros, o que pode distanciar o grupo.

Da mesma forma, conseguimos obter a identificação por parte dos respondentes quanto ao seu entendimento em relação a estarem em um caminho de reações positivas, confirmando, inclusive, que a propensão à saída do grupo se dá mais claramente nos participantes de menor interação no mesmo, pois limita-se a não impactar uma interação de forma emocional.

Observamos que os respondentes têm percepções diferentes sobre as interações do grupo e sobre as próprias interações no grupo. Os membros percebem que o grupo demanda mais pedidos de informação e ajuda, enquanto classificam as próprias interações como de maior fornecimento de respostas, opiniões e informações. É como se o membro desse mais do que recebe do grupo.

Concluímos que as interações nos grupos no âmbito da tarefa convergem e canalizam suas energias entre o pedir e dar informações, demonstrando ser a troca de informações seu principal objetivo comum. Já no tocante ao âmbito emocional, que remete à manutenção do grupo, a solidariedade e os aspectos positivos prevalecem, contudo, com expressões de discordância entre os membros, o que pode distanciar o grupo.

 Da mesma forma identificamos um desejo de estarem em um ambiente de interações neutras ou positivas, confirmando, inclusive, que a propensão à saída do grupo se dá mais claramente nos participantes que percebem o grupo como um ambiente de interações negativas. Concluímos que a resistência ao conflito pode ser observada, também, nessa configuração de grupo.

Em linhas gerais, o produto final deste estudo deverá servir de recurso para novos estudos sobre este tema relativamente novo, principalmente se estudado à luz das interações de formação básica do indivíduo como família e escola. É importante, porém, nunca desprezar o entendimento de que a tecnologia deve vir para complementar, não para substituir interações, principalmente no contexto estudado, o sociofamiliar.

Referencial

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SELF SERVICE. WhatsApp e sua evolução na sociedade. 3 abr. 2015. Disponível em: <https://selfservicefaap.wordpress.com/2015/04/30/whatsapp-e-sua-evolucaona-sociedade>. Acesso em mai. 2017.

Apêndice

idades escolares 1) Qual é o seu gênero?* ( ) Feminino ( ) Masculino ( ) Outro – Qual?:* 2) Qual é a sua faixa etária?* ( ) Menos de 20 ( ) 21 a 30 ( ) 31 a 40 ( ) 41 a 55 ( ) Mais de 56 3) Quantos filhos ou pessoas menores de idade sob sua responsabilidade você tem?* ( ) 0 ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais 4) Em que tipo de escola ele(s) estuda(m)? ( ) Escola Particular ( ) Escola Pública ( ) Ambas 5) Sobre o acompanhamento das atividades escolares do(s) seu(s) filhos(s) ou crianças sob sua responsabilidade, você: ( ) É o principal ou único responsável ( ) Divide a responsabilidade com outro(s) adulto(s) ( ) Tenho pouco ou nenhum envolvimento 6) Como você acompanha as atividades escolares do(s) seu(s) filho(s)? Pode marcar mais de um:* [ ] Conversa com o(s) filho(s) [ ] Conversa com professores [ ] Conversa com outros pais e responsáveis [ ] Recados através de caderneta/agenda [ ] Reuniões presenciais na escola [ ] Participação em eventos e atividades na escola [ ] Outro – qual?: * 7) De quantos grupos de Whatsapp ligados a atividades escolares do(s) seu(s) filho(s) ou crianças sob sua responsabilidade você participa? ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 a 4 ( ) Mais de 5 8) Qual é a primeira palavra que vêm a sua mente quando pensa nestes grupos de Whatsapp?* 9) Como você definiria o objetivo destes grupos?* 10) De uma forma geral, você diria que as conversas nos grupos são mais: ( ) Emocionais, com reações positivas e apoio entre os membros ( ) Emocionais, com reações negativas de tensão entre os membros ( ) Voltadas a tarefas, com pedidos de ajuda, informação e opinião ( ) Voltadas a tarefas, com avisos e orientações 11) Você demonstra solidariedade em relação aos outros membros? (eleva a moral dos outros pais e mães, ajuda, é amistoso) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 12) Você alivia a tensão do grupo? (brinca, ri, faz piada, demonstra satisfação) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre

13) Você tende a concordar com os outros? (aceita as colocações dos outros, se mostra compreensível) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 14) Você dá sugestões para os outros? (sugere caminhos, sem tolher a autonomia dos outros) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 15) Você dá opiniões durante as discussões? (analisa, avalia, expressa desejos e sentimentos) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 16) Você fornece informações? (orienta, esclarece, confirma dados) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 17) Você pede informações? (pede esclarecimentos e confirmação de dados) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 18) Você pede opinião para outros membros? (solicita análises, avaliações, pede que os outros dividam sentimentos) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 19) Você pede sugestões? (solicita direção, pede que os outros membros dividam com você possíveis formas de ação) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 20) Você expressa discordância? (rejeita orientações dos outros, expressa claramente quando não concorda) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 21) Você demonstra tensão? (mostra sua insatisfação, reclama, muda de assunto) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 22) Você briga? (defende e afirma sua posição, mesmo que precise confrontar diretamente alguém) ( ) Nunca ( ) Raramente ( ) Às vezes ( ) Frequentemente ( ) Sempre 23) Você já pensou em sair do(s) grupo(s) de Whatsapp sobre atividades escolares? ( ) Sim ( ) Não 24) Se você saísse ou os grupos deixassem de existir, como acha que a sua vida seria afetada? 25) Se você autoriza que os pesquisadores entrem em contato futuramente para mais esclarecimentos, deixe seu e-mail: Muito obrigado!

 

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