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A EDUCAÇÃO E O PROCESSO DE MUDANÇA SOCIAL

Paulo Freire
In Educação e Mudança
Editora Paz e Terra – 23ª Edição 1999

Introdução

Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem.

Por isso, é preciso fazer um estudo filosófico-antropológico. Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar, na natureza do homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação.

Qual seria este núcleo captável a partir de nossa própria experiência existencial?

Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem.

O cão e a árvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta: quem sou? De onde venho? Onde posso estar? O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação.

A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.

Por outro lado, a busca deve ser algo e deve traduzir-se em ser mais: é uma busca permanente de “si mesmo” (eu não posso pretender que meu filho seja mais em minha busca e não na dele).

Sem dúvida, ninguém pode buscar na exclusividade, individualmente. Esta busca solitária poderia traduzir-se em um ter mais, que é uma forma de ser menos. Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências, caso contrário se faria de umas consciências, objetos de outras. Seria “coisificar” as consciências.

Jaspers disse: “Eu sou na medida em que os outros também são.”

O homem não é uma ilha. É comunicação. Logo, há uma estreita relação entre comunhão e busca.

Saber-Ignorância

A educação tem caráter permanente. Não há serres educados e não educados. Estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são absolutos.

O homem, por ser inacabado, incompleto, não sabe de maneira absoluta. Somente Deus sabe de maneira absoluta.

A sabedoria parte da ignorância. Não há ignorantes absolutos. Se num grupo de camponeses conversamos sobre colheitas, devemos ficar atentos para a possibilidade de eles saberem muito mais do que nós.

Se eles sabem selar um cavalo e sabem quando vai chover, se sabem semear, etc…, não podem ser ignorantes (durante a Idade Média, saber selar um cavalo representava alto nível técnico), o que lhes falta é um saber sistematizado.

O saber se faz através de uma superação constante. O saber superado já é uma ignorância. Todo saber humano tem em si o testemunho do novo saber que já anuncia. Todo saber traz consigo sua própria superação. Portanto, não há saber nem ignorância absoluta: há somente uma relativização do saber ou da ignorância.

Por isso não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo. (É preciso saber reconhecer quando os educandos sabem mais e fazer com que eles também saibam com humildade).

Amor-desamor

O amor é uma tarefa do sujeito. É falso dizer que o amor não espera retribuições. O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam. Cada um tem o outro, como sujeito de seu amor. Não se trata de apropriar-se do outro.

Nesta sociedade há uma ânsia de impor-se aos demais numa espécie de chantagem de amor. Isto é uma distorção do amor. Quem ama o faz amando os defeitos e as qualidades do ser amado.

Ama-se na medida em que se busca comunicação, integração a partir da comunicação com os demais.

Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não

é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o próximo, não o respeita.

Não há educação do medo. Nada se pode temer da educação quando se ama.

Esperança-Desesperança

Com base no inacabamento, nasce o problema da esperança e da desesperança. Podemos fazer deles o objeto de nossa reflexão. Eu espero na medida em que começo a busca, pois não seria possível buscar sem esperança.

Uma educação sem esperança não é educação. Quem não tem esperança na educação dos camponeses deverá procurar trabalho noutro lugar.

O homem – um ser de relações

O homem está no mundo e com o mundo. Se apenas estivesse no mundo não haveria transcendência nem se objetivaria a si mesmo. Mas como pode objetivar-se, pode também distinguir entre um eu e um não-eu.

Isso o torna um ser capaz de relacionar-se; de sair de si; de projetar-se nos outros; de transcender. Pode distinguir órbitas existenciais distingas de si mesmo.

Estas relações não se dão apenas com os outros, mas se dão no mundo, com o mundo e pelo mundo (nisso se apoiaria o problema da religião).

O animal não é um ser de relações, mas de contatos. Está no mundo e não com o mundo.

Características

A primeira característica desta relação é a de refletir sobre este mesmo ato. Existe uma reflexão do homem face à realidade. O homem tende a captar uma realidade, fazendo-a objeto de seus conhecimentos. Assume a postura de um sujeito cognoscente de um objeto cognoscível. Isto é próprio de todos os homens e não privilégio de alguns (por isso a consciência reflexiva deve ser estimulada: se conseguir que o educando reflita sobre sua própria realidade).

Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias.

O homem enche de cultura os espaços geográficos e históricos. Cultura é tudo o que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase de saudação. A cultura consiste em recriar e não em repetir. O homem pode fazê-lo porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo. Isto nos leva a uma Segunda característica da relação: a consequência, resultante da criação e recriação que assemelha o homem a Deus. O homem não é, pois, um homem para a adaptação. A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade. O homem deve transformar a realidade para ser mais (a propaganda política ou comercial fazem do homem um objeto).

O homem se identifica com sua própria ação: objetiva o tempo, temporaliza-se, faz-se homem-história.

O animal está sob o tempo. Para ele não há ontem nem amanhã. Está sob uma eternidade esmagadora. Está encharcado pelo tempo e por isso não tem tempo.

Para Deus também não existe tempo; porque está sobre ele. O homem ao contrário está no tempo e abre uma janela no tempo: dimensiona-se, tem consciência de um ontem e de um amanhã.

O homem primitivo viveu sob o tempo, e quando teve consciência do tempo se historicizou.

Deus vive no presente e para ele o meu futuro é presente. Por isso não podemos dizer que Deus prevê, mas que vê tudo no seu presente.

As relações do homem são também temporais, transcendentes. O homem pode transcender sua imanência e estabelecer relação com os seres infinitos. Mas esta relação não pode ser uma domesticação, submissão ou resignação diante do ser infinito.

As relações ou contatos dos animais são reflexos. Apesar de a psicologia revelar certa inteligência (como a de crianças de 3 anos) em alguns animais, esta inteligência se restringe ao mecânico e ao reflexo.

Em segundo lugar, as relações dos animais são inconsequentes, já que estes não têm liberdade para criar ou não criar. As abelhas, por exemplo, não podem fazer um mel especial para consumidores mais exigentes. Estão determinadas pelo instinto.

Uma educação que pretendesse adaptar o homem estaria matando suas possibilidades de ação, transformando-o em abelha. A educação deve estimular a opção e afirmar o homem como homem. Adaptar é acomodar, não transformar.

O homem integra-se e não se acomoda. Existe, contudo, uma adaptação ativa.

Quando mais dirigidos são os homens pela propaganda ideológica, política ou comercial, tanto mais são objetos e massas.

Quanto mais o homem é rebelde e indócil, tanto mais é criador, apesar de em nossa sociedade se dizer que o rebelde é um ser inadaptado.

Os contatos além disso não são temporais, porque os animais não podem fazer sua própria história.

Os contatos são intranscendentes, porque os animais estão submersos em sua imanência.

Em resumo:

As relações são: reflexivas, consequentes, transcendentes, temporais.
Os contatos são: reflexos, inconsequentes, intranscendentes, intemporais.

O ímpeto criador do homem

Em todo homem existe um ímpeto criador. O ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem. A educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este ímpeto ontológico de criar. A educação deve ser desinibidora e não restritiva. É necessário darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos.

Caso contrário, domesticamos, o que significa a negação da educação. Um educador que restringe os educandos a um plano pessoal impede-os de criar. Muitos acham que o aluno deve repetir o que o professor diz na classe. Isto significa tomar o sujeito como instrumento.

O desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem transformar a realidade se faz cada vez mais urgente. Na medida em que os homens, dentro de sua sociedade, vão respondendo aos desafios do mundo, vão temporalizando os espaços geográficos e vão fazendo história pela sua própria atividade criadora.

Conceito de sociedade em transição

Uma determinada época histórica é constituída por determinados valores, com formas de ser ou de comportar-se que buscam plenitude.

Enquanto estas concepções se envolvem ou são envolvidas pelos homens, que procura a plenitude, a sociedade está em constante mudança. Se os fatores rompem o equilíbrio, os valores começam a decair; esgotam-se, não correspondem aos novos anseios da sociedade. Mas como esta não morre, os novos valores começam a buscar a plenitude. A este período, chamamos transição. Toda transição é mudança, mas não vice-versa (atualmente estamos numa época de transição.

Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos.

Características de uma sociedade fechada

A sociedade fechada latino-americana foi uma sociedade colonial. Em algumas formas básicas de seu comportamento observamos que, geralmente, o ponto de decisão econômica desta sociedade está fora dela. Isto significa que este ponto está dentro de outra sociedade. Esta outra é a sociedade matriz: Espanha ou Portugal em nossa realidade latino-americana. Esta sociedade matriz é a que tem opções; em troca, as demais sociedades somente recebem ordens. Assim é possível falar de “sociedade-sujeito” e de “sociedade-objeto”. Esta última opera necessariamente como um satélite comandado pelo seu ponto de decisão; é uma sociedade periférica e não reflexiva.

O ponto de decisão ou sociedade matriz fortifica-se e procura na outra sociedade a matéria-prima e a transforma em produtos manufaturados, que venda às mesmas sociedades-objetos. O custo, a importação, a exportação, o preço, etc., são determinados pela sociedade-sujeito. Não cabe à sociedade dominada decidir. Por isso não há nela mercado interno; sua economia cresce para fora, o que significa não crescer.

O mercado é externo à sociedade-objeto e tem características cíclicas: madeira, açúcar, ferro, café, sucessivamente. Esta sociedade é predatória, não tem povo: tem massa. Não é uma entidade participante.

Nestas sociedades se instala uma elite que governa conforme as ordens da sociedade diretriz. Esta elite impõe-se às massas populares. Esta imposição faz com que ela esteja sobre o povo e não com o povo. As elites prescrevem as determinações às massas. Estas massas estão sob o processo histórico. Sua participação na história é indireta. Não deixam marcas como sujeitos, mas como objetos.

A própria organização destas sociedades se estrutura de forma rígida e autoritária. Não há mobilidade vertical ascendente: um filho de sapateiro dificilmente pode chegar a ser professor universitário. Tampouco há mobilidade descendente: o filho de um professor universitário não pode chegar a ser sapateiro, pelos preconceitos de seu pai. De modo que cada um reproduz seu status. Este é ganho geralmente por herança e não por valor ou capacidade.

A sociedade fechada se caracteriza pela conservação do status ou privilégio e por desenvolver todo um sistema educacional para manter este status. Estas sociedades não são tecnológicas, são servis. Há uma dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual. Nestas sociedades nenhum pai gostaria que seus filhos fossem mecânicos se pudessem ser médicos, mesmo que tivessem vocação de mecânicos.

Consideram o trabalho manual degradante; os intelectuais são dignos e os que trabalham com as mãos são indignos. Por isso as escolas técnicas se enchem de filhos das classes populares e não das elites.

Também se caracterizam pelo analfabetismo e pelo desinteresse pela educação básica dos adultos.

Sociedade alienada

Quando o ser humano pretende imitar a outrem, já não é ele mesmo. Assim

também a imitação servil de outras culturas produz uma sociedade alienada ou sociedade-objeto. Quanto mais alguém quer ser outro tanto menos ele é ele mesmo.

A sociedade alienada não tem consciência de seu próprio existir. Um profissional alienado é um ser inautêntico. Seu pensar não está comprometido consigo mesmo, não é responsável. O ser alienado não olha para a realidade com critério pessoal, mas com olhos alheios. Por isso vive uma realidade imaginária e não a sua própria realidade objetiva. Vive através da visão de outro país. Vive-se a Rússia ou Estados Unidos, mas não se vive Chile, Peru, Guatemala ou Argentina.

O ser alienado não procura um mundo autêntico. Isto provoca uma nostalgia: deseja outro país e lamenta ter nascido no seu. Tem vergonha da sua realidade. Vive em outro país e trata de imitá-lo e se crê culto quanto menos nativo é. Diante de um estrangeiro tratará de esconder as populações marginais e mostrará bairros residenciais, porque pensa que as cidades mais cultas são as que têm edifícios mais altos. Como o pensar alienado não é autêntico, também não se traduz numa ação concreta.

É preciso partir de nossas possibilidades para seremos nós mesmos. O erro não está na imitação, mas na passividade com que se recebe a imitação ou na falta de análise ou de autocrítica.

Julga-se que os bolivianos ou panamenhos são preguiçosos, porque são bolivianos ou panamenhos. Por isso procura-se ser menos boliviano ou panamenho.

Acredita-se que ser grande é imitar os valores de outras nações. Sem dúvida, a grandeza se expressa através da própria vocação nativa.

Outro exemplo de alienação é a preferência pelos técnicos estrangeiros em detrimento dos nacionais.

A sociedade alienada não se conhece a si mesma; é imatura, tem comportamento exemplarista, trata de conhecer a realidade por diagnósticos estrangeiros.

Os dirigentes solucionam os problemas com fórmulas que deram resultado no estrangeiro. Fazem importação de problemas e soluções. Não conhecer a realidade nativa.

Antes de admitir soluções estrangeiras, teria de se perguntar quais eram as condições e características que motivaram esses problemas. Porque o ano de 1966 da Rússia ou dos Estados Unidos não é o mesmo 1966 do Chile ou da Argentina. Somos contemporâneos no tempo, mas não na técnica.

Além do mais, os técnicos estrangeiros chegam com soluções fabulosas, sem um julgamento prévio, que não correspondem à nossa idiossincrasia.

As soluções importadas devem ser reduzidas sociologicamente, isto é, estudadas e integradas num contexto nativo. Devem ser criticadas e adaptadas; neste caso, a importação reinventada ou recriada. Isto já é desalienação, o que não significa senão autovaloração.

Geralmente, as elites acusam o povo de fraqueza ou incapacidade e por isso suas soluções não dão resultado. Assim, as atitudes dos dirigentes oscilam entre um otimismo ingênuo ou um pessimismo ou desespero. É ingenuidade pensar que a simples importação de soluções salvará o povo. Isso se passa entre os candidatos que, por não conhecerem a fundo os problemas do poder, fazem mil promessas e ao chegar ao poder encontram mil obstáculos que, às vezes, os fazem cair no desânimo. Não se trata de desonestidade, mas de ingenuidade.

Uma Sociedade em Transição

A sociedade fechada, quando sofre pressão de determinados fatores externos, se espedaça mas não se abre; uma sociedade está se abrindo quando começa o processo de desalienação com o surgimento de novos valores. Assim, por exemplo, a idéia da participação popular no poder. Nesta sociedade em transição se está numa posição progressista ou reacionária; não se pode estar com os braços cruzados. É preciso procurar uma nova escala de valores. O velho e o novo têm valor na medida em que são válidos. Ou se dirige a sociedade para ontem ou para o amanhã que se anuncia hoje. As atitudes reacionárias são as que não satisfazem o processo e os valores requeridos pela sociedade de hoje.

Existe uma série de fenômenos sociológicos que têm ligação com o papel do educador. Nesta etapa da sociedade existem, primeiramente, as massas populares espectadoras passivas. Quando a sociedade se incorpora nelas, começa um processo chamado democratização fundamental. É um crescente ímpeto para participar. As massas populares começam a se procurar e a procurar seu processo histórico. Com a ruptura da sociedade, as massas começam a emergir e esta emersão se traduz numa exigência das massas por participar: é a sua presença no processo.

As massas descobrem na educação um canal para um novo status e começam a exigir mais escolas. Começam a ter uma apetência que não tinham. Existe uma correspondência entre a manifestação das massas e a reivindicação. É o que chamamos educação das massas.

As massas passam a exigir voz e voto no processo político da sociedade. Percebem que outros têm mais facilidade que eles e descobrem que a educação lhes abre uma perspectiva. Às vezes emergem em posição ingênua e de rebelião e não revolucionária ao se defrontarem com os obstáculos. Começam a exigir e a criar problemas para as elites. Estas agem torpemente, esmagando as massas e acusando-as de comunismo. As massas querem participar mais na sociedade. As elites acham que isto é um absurdo e criam instituições de assistência social para domesticá-las. Não prestam serviços, atuam paternalisticamente, o que é uma forma de colonialismo. Procura-se tratá-las como crianças para que continuem sendo crianças.

Uma sociedade justa dá oportunidade às massas para que tenham opções e não a opção que a elite tem, mas a própria opção das massas. A consciência criadora e comunicativa é democrática.

As convicções devem ser profundas, porém nunca impostas aos demais; através do diálogo se tratará de convencer com amor; o contrário seria sectarismo. O sectarismo não é crítica, não ama, não dialoga, não comunica, não faz comunicados. No processo histórico, os sectários comportam-se como inimigos; consideram-se donos da história. O sectarismo pretende conquistar o poder com as massas, mas estas depois não participam do poder. Para que haja revolução das massas é necessário que estas participem do poder.

A Consciência Bancária da Educação

As sociedades latino-americanas começam a se inscrever neste processo de abertura, umas mais que outras, mas a educação ainda permanece vertical. O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência bancária. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim seu poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação.

A consciência bancária “pensa que quanto mais se dá mais se sabe”. Mas a experiência revela que com este mesmo sistema só se formam indivíduos medíocres, porque não há estímulo para a criação.

Por outro lado, quem aparece como criador é um inadaptável e deve nivelar-se aos medíocres. O professor arquiva conhecimentos porque não os concebe como busca e não-busca, porque não é desafiado pelos seus alunos. Em nossas escolas se enfatiza muito a consciência ingênua.

A consciência e seus estados

A consciência se reflete e vai para o mundo que conhece; é o processo de adaptação. A consciência é temporalizada. O homem é consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade.

O primeiro estado da consciência é a intransitividade (tomou-se este termo da noção gramatical de verbo intransitivo: aquele que não deixa passar sua ação a outro). Existe neste estado uma espécie de quase compromisso com a realidade. A consciência intransitiva, contudo, não é consciência fechada. Resulta de um estreitamento no poder de captação da consciência. É uma escuridão a ver ou ouvir os desafios que estão mais além da órbita vegetativa do homem. Quanto mais se distancia da captação da realidade, mais se aproxima da captação mágica ou supersticiosa da realidade.

A instransitividade produz uma consciência mágica. As causas que se atribuem aos desafios escapam à crítica e se tornam superstições.

Se uma comunidade sofre uma mudança, econômica por exemplo, a consciência se promove e se transforma em transitiva. Num primeiro momento esta consciência é ingênua. Em grande parte é mágica. Este passo é automático, mas o passo para a consciência crítica não é. Somente se dá com um processo educativo de conscientização. Este passo exige um trabalho de promoção e critização. Se não se faz este processo educativo só se intensifica o desenvolvimento industrial ou tecnológico e a consciência sofrerá um abalo e será uma consciência fanática. Este fanatismo é próprio do homem massificado.

Na consciência ingênua há uma busca de compromisso; na crítica há um compromisso e, na fanática, uma entrega irracional.

A consciência intransitiva responde a um desafio com ações mágicas porque a compreensão é mágica. Geralmente em todos nós existe algo de consciência mágica: o importante é superá-la.

CARACTERÍSTICAS DA CONSCIÊNCIA INGÊNUA

  1. Revela uma certa simplicidade, tendente a um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais.
  2. Há uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando jovens.
  3. Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento. Esta tendência pode levar a uma consciência fanática.
  4. Subestima o homem simples.
  5. É impermeável à investigação. Satisfaz-se com as experiências. Toda concepção científica para ela é um jogo de palavras. Suas explicações são mágicas.
  6. É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis. É polêmico, não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades: não procura a verdade; trata de impô-la e procurar meios históricos para convencer com suas idéias. É curioso ver como os ouvintes se deixar levar pela manha, pelos gestos e pelo palavreado. Trata de brigar mais, para ganhar mais.
  7. Tem forte conteúdo passional. Pode cair no fanatismo ou sectarismo.
  8. Apresenta fortes compreensões mágicas.
  9. Diz que a realidade é estática e não mutável.

CARACTERÍSTICAS DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA

  1. Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para a análise do problema.
  2. Reconhece que a realidade é mutável.
  3. Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade.
  4. Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta às revisões.
  5. Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos. Não somente na captação, mas também na análise e na resposta.
  6. Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude e vice-versa. Sabe que é na medida que é e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base da autenticidade.
  7. Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas.
  8. É indagadora, investiga, força, choca.
  9. Ama o diálogo, nutre-se dele.
  10. Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.

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